BOAS-VINDAS

Na edição diurna da aula inaugural do semestre, líder indígena expôs a necessidade de incentivar tolerância e diversidade de visões na Universidade 

Autor de Ideias para adiar o fim do mundo (2019), Ailton Krenak deu dicas para aproveitar bem a jornada acadêmica. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

"Aos jovens que estão chegando nesse lugar onde as linguagens são múltiplas, não se esqueçam de onde vieram. Valorizem sua herança ancestral, suas memórias. Não descartem suas memórias só porque vocês estão entrando em contato com uma nova epistemologia.” A mensagem deixada pelo líder indígena e ambientalista Ailton Krenak nesta terça-feira (10), durante a aula de boas-vindas #InspiraUnB, suscitou reflexões entre os estudantes que ingressaram na Universidade de Brasília neste semestre.

 

Em discurso em prol da coletividade, da tolerância, da ciência e da paz, o ativista contagiou o público do Centro Comunitário Athos Bulcão com acolhida afetuosa e impactante. Protagonista de uma das cenas mais marcantes da Assembleia Constituinte de 1987 em defesa dos direitos indígenas, Krenak ressaltou que a sociedade brasileira ainda é pautada pelo individualismo e pela meritocracia. “Esse tipo de sociedade retira de cada um de nós o que há de mais capaz de invenção, que é a nossa subjetividade. Ela nos põe em um lugar em que nossa imaginação e sonho ficam em subterfúgio”, afirmou.

 

Na contramão desse status quo, o indígena convidou os presentes a expandir o campo da subjetividade e suas perspectivas individuais, para se compreenderem como sujeitos coletivos – segundo ele, aqueles que “podem habitar a experiência de constituir uma comunidade temporária em qualquer lugar onde estiverem”. Para isso, provocou-os a pensar extrapolando as experiências proporcionadas pela Universidade, mas também a imprimir, cada um seu tom no ambiente acadêmico e a aprender a partir da convivência e da colaboração. Para ele, o desafio das instituições de ensino superior é ir muito além das fronteiras da religião, das crenças e do pensamento para constituir cosmovisões – diferentes visões de mundo. 

 

Krenak, que nasceu na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, lembrou o mosaico de povos que constituíram a América Latina, mistura cultural que não só fomentou ricas experiências, mas também deixou como heranças o colonialismo e a escravidão. Ao considerar essa pluralidade e as lacunas provocadas por essas marcas históricas, ele reiterou que é preciso que cada um ultrapasse o sentido de tolerância com o outro e se abra para compreendê-lo, o que possibilita experimentar a diversidade cultural. “Quando você perceber que está tendo que tolerar o seu colega, pense bem se não deveria ir além do limite da tolerância e se tornar capaz de experimentar a visão que ele tem do lugar que vocês compartilham”, defendeu.

 

Quanto à expectativa legada aos jovens que passam pelas universidades, Krenak vislumbra como horizonte: “produzir ciência e conhecimento que auxilie o mundo a viver em paz”, mesmo ciente de que a paz é resultado de lutas. “Ciência. Ciência. Ciência. Paz. Paz. Paz, ciência”, verbalizou, convocando o público a vocalizar essas palavras. 

Ailton Krenak e a reitora Márcia Abrahão trocaram saudações durante a solenidade. Foto: Audrey Luiza/Secom UnB

 

Aos estudantes, docentes e técnicos administrativos, o palestrante alertou sobre a importância de não se deixarem convencer por ideias não fundamentadas. Para o ambientalista, é necessário sempre buscar se esclarecer sobre um ponto de vista apresentado, mas também observar o mundo sob diferentes perspectivas. Nesse sentido, ele questionou o silenciamento de determinadas vozes em detrimento de outras e o pressuposto de igualdade entre todos os humanos, ao constatar as assimetrias existentes entre classes sociais, raças e etnias; no acesso à educação e à saúde; e no exercício da liberdade.

 

Prova disso é a excepcionalidade ainda vista no ingresso de negros e indígenas nas universidades. “Ainda celebramos a entrada do negro e do indígena na universidade. Fazemos isso porque não é tido como normal”, argumentou. “Quero convidar vocês a ampliar esse campo da subjetividade para que um dia isso aconteça como uma experiência cotidiana e não como uma excêntrica celebração”, concluiu, sendo aplaudido de pé.

 

DIÁLOGO – O palestrante também interagiu com o público e respondeu a perguntas. Nelson Inocêncio, professor do Instituto de Artes (IdA), indagou Krenak sobre a construção de currículos acadêmicos democráticos que reconheçam a produção diversa de saberes. Ao responder o questionamento, líder indígena explanou que “persiste, na construção dos cursos e das disciplinas, a ideia de que a universidade deve atender prioritariamente ao mercado, e esse comprometimento prejudica a possibilidade de um campo de conhecimento mais fluido e plural”.

 

Responsável pela disciplina Estudo das Visualidades Indígenas, Nelson Inocêncio reconhece que a Universidade tem muito a avançar para promover maior interação dos conhecimentos acadêmicos com outros saberes. “Se a gente quer realmente estabelecer conexão de saberes, vamos ter que fazer nossa parte enquanto universidade, buscando interfaces com essas pessoas que são referências de outras culturas, além das ocidentais, e entender o que representa o compartilhamento desse conhecimento, tendo como protagonistas as vozes que vêm desses lugares silenciados." 

Niça Fernandes e Maria Helena Serafim, estudantes do Mespt, sentiram-se em casa com acolhida do palestrante do #InspiraUnB. Foto: Audrey Luiza/Secom UnB

 

Para os estudantes que acabam de chegar à Universidade, a oportunidade de escutar personalidade tão atuante nas questões indígenas traz motivação para o início da formação. “É visível a luta dele pelas causas sociais, que é um foco muito preponderante na UnB. Isso é muito significativo. É importante um discurso assim para termos relações harmoniosas entre as pessoas de diferentes lugares, com diferentes histórias”, declara Pedro Henrique Matos, calouro do curso de Biotecnologia.

 

Emocionada com Krenak, a recém-ingressa no Mestrado Profissional em Sustentabilidade Junto aos Povos Tradicionais (Mespt) Maria Helena Serafim sentiu-se conectada consigo e acolhida pela fala do palestrante. Oriunda de comunidade quilombola do Tinguizal, em Monte Alegre de Goiás, ela sabe das dificuldades de acesso à educação superior por determinados grupos sociais. “O Krenak trouxe uma grandeza na sua fala que nos preenche de vontade de saber, de conhecer e de estar na Universidade. Até pouco tempo, era um espaço que não nos representava. Ele nos trouxe isso da representatividade, além dessa sensação de que estou em casa. Não estou desamparada nem sozinha”, compartilha a pós-graduanda.

 

As atividades de recepção aos estudantes no 1°/2020 continuam! Além do #InspiraUnB noturno, nesta quarta (11), com Sidarta Ribeiro, há oficinas previstas até a última semana de março, além de programação específica das unidades acadêmicas.

 

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