OPINIÃO

João Carlos Teatini de Souza Clímaco é Ph.D. em Estruturas pela Polytechnic of Central London e professor associado do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB).

João Carlos Teatini



O título pode parecer irônico, mas não se refere a sujeiras comuns, mas a um incidente muito pior, infelizmente: o desabamento, no último mês de agosto, de quase metade do guarda-corpo (‘mureta’ ou ‘parapeito’) do viaduto das entrequadras 105/106 do Eixo W Norte de Brasília, que caiu sobre a pista inferior da tesourinha. Sem vítimas, por sorte!

 

Imagine um veículo passando embaixo desse viaduto e sendo esmagado por quase uma tonelada de concreto armado! E a extensão da tragédia, no caso de um transporte escolar com crianças?

 

O colapso ocorreu, certamente, por colisão de um veículo contra uma extremidade da mureta, provocando a ruptura brusca de dois pilaretes de suporte, arrastando a laje do parapeito superior, com 50cm de largura, em um trecho de cerca de 3,5m. Da análise visual dos destroços, que ficaram expostos no local por mais de uma semana, e de fotografias ampliadas, julgamos relevante discutir alguns aspectos técnicos.

 

As barras de aço da armadura principal na base dos pilaretes (ou ‘arranques’) romperam em sua ancoragem, que demonstrou ser insuficiente para impactos dessa intensidade. As barras longitudinais inferiores da laje do parapeito também romperam, por não suportarem as forças de tração instantâneas oriundas do próprio peso, com seu deslocamento lateral produzido pelo impacto. Havia, ainda, sinais de corrosão em barras dessas armaduras.

 

Restaram íntegros pouco mais da metade do guarda-corpo e três dos seus pilaretes. Cabe registrar que essa estrutura havia sido pintada com cal pouco antes do desabamento e que ele já foi reparado, com técnicas tradicionais. Com certeza, este caso foi tratado pelos órgãos públicos responsáveis como mais um caso corriqueiro!

 

Cabe alertar, por urgente e apenas de observação do autor, que o viaduto simétrico ao citado em relação ao Eixo Rodoviário – Eixão –, apresenta aviso nítido de ruptura em um de seus extremos. No mesmo Eixo W-Norte, nas entrequadras 109/110, outro viaduto apresenta corrosão avançada nas barras das armaduras do pilarete extremo e da laje superior do guarda-corpo. Como justificar?

 

No caso do recente colapso, a pergunta óbvia que vem à mente é: o que fazer para evitá-lo ou, no mínimo, prevenir estragos maiores? Sem pretender ser alarmista, eventos similares podem ocorrer a qualquer momento; vale ressaltar que esse não é um problema apenas do Distrito Federal, mas nacional e até mundial, com triste destaque para os países mais pobres...

 

Pode até parecer razoável argumentar que, no início da construção de Brasília, não havia prescrições explícitas sobre durabilidade e manutenção de estruturas de concreto nas normas técnicas de projeto e execução do Brasil e mesmo internacionais; o que é verdade. Ou alegar, o que é censurável, serem as obras de reparo e manutenção muito caras e que a atual crise econômica torna isso mais difícil, etc.

 

À parte do custo irreparável de vidas humanas, nada disso pode agora ser declarado, pois a norma ABNT NBR14718: 2008 dispõe que “No caso de guarda-corpos de concreto, estes devem seguir as prescrições da NBR 6118”. Esta, em sua última versão de 2014, Projeto de estruturas de concreto – Procedimento, prescreve o emprego de “barreiras protetoras em pilares (de viadutos, pontes e outros) sujeitos a choques mecânicos”.

 

Para evitar colapsos como o aqui relatado, mostra-se, portanto, ser imperativa a instalação de dispositivos de proteção lateral, denominados ‘defensas’ ou guardrails, em geral metálicos. É uma solução rápida e muito mais barata que a substituição total dos atuais guarda-corpos. Mesmo assim, essas estruturas ainda cobram manutenção periódica e recuperação, quando for o caso, e não apenas uma pintura enganosa em feriados cívicos!

 

Ainda sobre o tema, é necessário lembrar que os viadutos dos eixos Rodoviário e Monumental de Brasília, dos eixinhos Leste e Oeste, além de todos da área central, são das décadas de 1950 e 1960 e, obviamente, foram muito afetados pela ação do tempo, em especial pela corrosão do aço estrutural, não muito conhecida tecnicamente à época de projeto e construção. Essas obras de arte foram edificadas com projetos arquitetônicos e tecnologias inovadoras, mas têm deficiências sérias para inspeção de regiões críticas.

 

Cabe reconhecer, ainda, que o Governo do Distrito Federal revelou algum empenho quanto aos viadutos mais antigos. De 1995 a 98, a estrutura da plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto passou, pela primeira vez, desde a inauguração da Capital, por amplo programa de recuperação, com projeto e coordenação de uma equipe de professores do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (ENC/UnB). No entanto, somente agora, quase 20 anos depois, este trabalho está sendo concluído, com as obras do viaduto em frente ao conjunto Conic. Em 2006, após o colapso de um trecho da laje superior de um viaduto no Eixão Norte, vizinho ao apelidado ‘Buraco do Tatu’, a mesma equipe da UnB foi convidada a elaborar laudo sobre 21 viadutos no entorno da Rodoviária, com alguns deles tendo sido reparados.

 

Entretanto, novamente, cabe ressaltar aos órgãos públicos o caráter imperativo da implantação de programas de manutenção periódica dos equipamentos viários e edificações públicas, ao invés de gastos públicos dispensáveis com obras emergenciais. É essencial que a sociedade incorpore uma cultura de manutenção preventiva, cobrando atuação efetiva dos gestores, políticos e entidades de classe. Exemplo natural que vem à mente: Ponte JK!

 

Em Brasília, a atenção ao seu conjunto arquitetônico e urbanístico deve ser ainda mais especial, pelo arrojo e soluções tecnológicas de Engenharia, que mereceram reconhecimento internacional, com sua inclusão pela Unesco, em 1987, no Patrimônio Cultural da Humanidade – única cidade construída no século XX com esse título!

 

Em 9 de fevereiro de 2007, o Diário Oficial da União publicou a qualificação pelo Ministério da Justiça como Organização Social Civil de Interesse Público (Oscip) da BelaBrasília – Preservação do Patrimônio Arquitetônico de Brasília. Essa entidade teve origem na Comissão de Preservação do Patrimônio Arquitetônico de Brasília, criada em 2005 pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF, sensibilizado pelo relato da citada equipe do ENC/UnB sobre a situação precária de nossos monumentos.

 

A diretoria do Sinduscon/DF, à época, deu apoio logístico e financeiro à BelaBrasília, realizando, inclusive, uma expressiva plenária de lançamento, reunindo autoridades dos Governos Federal e Distrital, representantes de entidades de classe, professores, estudantes e membros da sociedade civil. Composta por professores, membros do Sinduscon e engenheiros de órgãos públicos e empresas, a BelaBrasília funcionou como um espaço aberto de interessados no tema, por cerca de dois anos, mas, infelizmente, foi desmobilizada por falta de suporte oficial.

 

A responsabilidade pela manutenção desses monumentos é de tal importância que deveria estar a cargo de uma instituição específica, sem fins lucrativos, com autonomia de gestão e fontes especiais de fomento, com participação ativa dos poderes executivos – federal e distrital –, Congresso Nacional, Câmara Legislativa, entidades da sociedade e, até mesmo, de organismos internacionais.

 

Como mencionado, esta proposta foi apresentada em diversos fóruns no DF, sempre com boa repercussão, mas, até hoje, sem posicionamentos oficiais que contribuíssem para viabilizá-la. No Brasil de hoje, entretanto, mais que de esperança, vivemos de luta e teimosia! Não desistiremos de Brasília!

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