OPINIÃO

Cristina Maria Teixeira Stevens é pesquisadora colaboradora da Universidade de Brasília. Graduada em Letras Licenciatura Inglês-Português pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mestre em Letras (Inglês e Literatura Correspondente) pela Universidade Federal de Santa Catarina, doutora em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo e pós-doutora pelo Centre for Interdisciplinary Gender Studies - Leeds University. Ensina, pesquisa e publica os temas: literatura comparada, literatura e gênero, interculturalidade, literatura norte-americana e literatura e história.

Cristina Stevens

 

Desde sua criação em 1910, o dia 8 de março é o Dia Internacional da Mulher, quando se celebram as lutas pelos direitos das mulheres. Refleti um pouco sobre meu envolvimento nos feminismos no Brasil, desde minhas pesquisas e atividades acadêmicas nos últimos trinta anos, quando conclui meu doutorado, e também um pouco antes disso, quando, ainda jovem, militava no movimento das mulheres que se delineava em nosso país em meados dos anos 1970. Penso nesses anos com um misto de otimismo e preocupação. Como profissional e como esposa e mãe de duas filhas.

 

Penso no sexismo que se reflete na linguagem – alguém já pensou por que soa estranho falarmos de “gênia” ou “gurua”? Lembro também da polêmica que se criou em torno da palavra “presidenta”, corretamente adotada pela primeira mulher legitimamente eleita em nosso país, cuja posse recebeu, sobretudo, comentários sobre sua maneira de vestir, e não sobre sua competência. Penso no corpo das mulheres, (ab)usado por campanhas publicitárias como objeto para se vender quase tudo, de carros a sabão em pó. Penso até se não seria interessante aprofundarmos a brincadeira de negociar esse dia pelos outros 364, quando os homens ainda estão majoritariamente em posições de liderança nos poderes constituídos, como também no mundo empresarial e, ainda na família.

 

Preocupo-me, sobretudo, com o gravíssimo problema da violência contra a mulher. A obra não ficcional O livro negro da condição das mulheres (2007) nos mostra uma realidade aterrorizadora da sociedade contemporânea. Organizado pela pesquisadora francesa Christina Ockrent, suas 734 páginas registram – com base em textos da Organização das Nações Unidas – a violência contra as mulheres. Mais de quarenta colaboradoras apresentam suas pesquisas sobre essas “zonas de sombra” do mundo contemporâneo. O livro nos choca pelos estudos internacionais que revelam o lado mais negro da condição das mulheres, onde religião, costumes e tradições ainda desafiam a lei, colocando as mulheres em total subordinação aos homens, quaisquer que sejam as intenções deles para com elas. Apesar da publicação, em 1993, da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, documento da ONU que define a violência sexista, mulheres continuam sendo assassinadas, queimadas, executadas por apedrejamento, vítimas dos mais diversos tipos de abuso, violência e violação dos direitos mais fundamentais do ser humano, simplesmente porque são mulheres. Além do feminicídio, muitas mulheres que não morrem continuam sendo mutiladas, vendidas, prostituídas, escravizadas, humilhadas.

 

As estatísticas brasileiras nos envergonham, o que pode ser identificado na publicação (a ser lançada em breve) dos trabalhos apresentados durante o III Colóquio de Estudos Feministas e de Gênero (Mulheres e Violências: Interseccionaldiades), realizado na Universidade de Brasília (novembro/2016), com o apoio da FAP-DF, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), da Universidade Livre Feminista da ONU Mulheres, da FINATEC, do Núcleo de Gênero Pró-Mulher (MPDFT), do Centro Judiciário da Mulher (TJDFT), das Advogadas pela Igualdade de Gênero e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPeM\UnB). Ao longo de suas 626 páginas, as autoras nos mostram estudos, pesquisas e ações em torno da violência contra as mulheres, abordada em múltiplas manifestações: violência física/sexual/psicológica/simbólica, feminicídio, violência das representações das mulheres na mídia/cinema/televisão/arte/internet/história/literatura/escola, violência aos direitos sexuais e reprodutivos, impactos da violência na saúde mental das mulheres, racismo e sexismo contra mulheres negras, entre outros.

 

Entretanto, prefiro pensar com otimismo na reação das mulheres, que vêm desenvolvendo ações individuais e coletivas há bastante tempo para reverter essa condição injustamente desigual. Citaria como exemplo dessas ações, que acontecerão em nosso país ainda este ano, a realização do 13º Mundo Mulheres, evento trianual que acontecerá pela primeira vez na América Latina (UFSC, Florianópolis, novembro/2017), e, paralelamente, o 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero, encontros interdisciplinares que objetivam trabalhar experiências diversas, estudos e pesquisas, vozes dos inúmeros países representados, que objetivam discutir e avançar em questões fundamentais ligadas aos feminismos e estudos de gênero, e que reuniram, nas suas últimas edições, um público aproximado de, respectivamente, 12.000 e 4.000 participantes.

 

No âmbito da nossa Universidade, citaria também um encontro em organização: Por que vamos parar no 8 de março?, marcado para o dia 7 de março, às 17h, no Teatro de Arena/UnB. Como explicam suas organizadoras, será um momento de luta, com a presença de docentes, estudantes, funcionári@s, gestor@s, grupos de estudos, coletivos, enfim, integrantes da nossa comunidade universitária. Esta convocação vai oportunizar manifestações e trocas de experiências sobre a situação que nós, mulheres (brasileiras e latino-americanas), temos vivido em meio a inúmeras violências e opressões cotidianas. O encontro também objetiva estar em sintonia com a grande mobilização social, iniciada pelas companheiras argentinas em 2016, Ni Una Menos (http://niunamenos.com.ar/), bem como com outros movimentos feministas em diversas partes do mundo (site do 8M-Brasil: https://www.8mbrasi.com).

 

Leia mais:

>> 'Ni Una Menos': 8 de março, Dia Internacional da Mulher

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