OPINIÃO

Pio Penna Filho é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Graduado em História, pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), mestre em História e doutor em História das Relações Internacionais, ambos pela UnB. Atua nas áreas de História, Relações Internacionais e Segurança Internacional, nos temas: em América Latina e África. 

Pio Penna Filho

 

O terrorismo, embora não seja um fenômeno novo, ganhou uma dimensão importante após o fim da Guerra Fria, sobretudo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. Na África existem vários grupos atuantes e que disseminam o terror em escala considerável, fazendo muito mais vítimas do que na Europa ou nos Estados Unidos.

 

Esse aspecto é interessante e demonstra um certo descaso pela mídia internacional sobre o que acontece no continente africano. Lá, a ação de grupos terroristas provoca milhares de mortos e uma cifra absurdamente elevada de refugiados. Na verdade, para a mídia, milhares de africanos negros não equivalem a menos de duas dezenas de brancos mortos por ações de grupos terroristas.

 

É claro que cada morte deve ser lamentada profundamente, não importa se a vítima é branca, negra, amarela, vermelha ou azul. Somos todos humanos e temos direito à vida. Contudo, não se pode negar que a morte de alguns poucos brancos chama muito mais a atenção do que a morte de milhares de negros, como ocorreu quando dos acontecimentos em Paris que levaram à campanha do Je suis Charlie.

 

Na África existem vários grupos terroristas em atuação, mas, entre eles, três se destacam: Boko Haram, Al-Shabab e AQUIM (Al Qaeda no Magreb Islâmico). Esses grupos atuam entre o Norte da África e a área de transição com a chamada África Subsaariana. Todos são muito ativos e extremamente violentos.

 

Eles têm em comum o fato de praticarem a jihad islâmica, ou seja, pregam o fundamentalismo religioso e querem aplicar a sharia nos locais que dominam. Grosso modo, o Boko Haram atua primordialmente em três países: Nigéria, Níger e Camarões. A Al-Shabab age principalmente na Somália, mas suas atividades se desdobram em direção a países próximos, como o Quênia. O grupo conhecido como AQUIM, embora tenha uma atuação mais intensa na Argélia, está disseminado em várias partes do Sahel, o que compreende uma grande área.

 

Eles possuem também conexões com redes mais conhecidas internacionalmente, como o Al Qaeda e o Estado Islâmico. Dessa forma, Al-Shabab e AQUIM são filiados à rede Al Qaeda, enquanto o Boko Haram jurou fidelidade ao Estado Islâmico. São conexões internacionais repletas de simbolismo e com alguns resultados práticos, que ampliam a capacidade de atuação desses grupos no continente africano.

 

É importante dizer que o jihadismo não é um fenômeno novo na África. Ainda no século XIX algumas regiões do continente passaram por essa experiência. Naquele contexto, com alguma semelhança ao que ocorre hoje em dia, grupos islâmicos se organizaram para defender uma visão específica e mais atuante do Islã, pregando uma renovação religiosa centrada em princípios fundamentalistas.

 

Todos os grupos terroristas que atuam na África o fazem em regiões onde prevalecem condições socioeconômicas mais restritivas. Assim, há uma clara relação entre pobreza/miséria e ação desses grupos, embora esse não seja, naturalmente, o elemento mais importante e motivador da existência desses grupos.

Enfim, o terrorismo é uma triste realidade presente em algumas partes da África que impõe novos desafios para Estados e para sociedades africanas. É um desafio que ultrapassa as fronteiras da África e demanda o envolvimento de países de fora do continente, além, é claro, da própria comunidade internacional.

 

Publicado originalmente na Gazeta Digital-MT em 27/9/2015.

 

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