OPINIÃO

Neuma Brilhante Rodrigues é professora do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB). Graduada, mestre e doutora em História pela UnB. Atua nos temas: império, trajetória de vida, cultura política, Cunha Mattos e historiografia.

Neuma Brilhante



O Brasil acordou agitado na manhã do dia 13 de Maio de 1888, com a expectativa da aprovação pelo Senado do projeto de lei que acabava com a escravidão no Brasil. Relatos da época falam de aglomerações nas ruas das principais cidades e em regiões onde a presença escrava ainda era significativa. A população, com destaque para homens e mulheres escravizados, aguardava ansiosa pela notícia que mudaria suas vidas. Em Salvador, às 14 horas, os jornais passaram a divulgar boletim que informava sobre a conclusão do processo legislativo e o encaminhamento da Lei para a sanção da princesa Isabel, cuja assinatura seria divulgada em novo boletim, às 16h.


Aquele 13 de maio foi o ápice de longo processo que levara à extinção da escravidão. Importante ressaltar que muitos foram os agentes envolvidos no amplo movimento social que se deu em espaços públicos e em instituições e na clandestinidade. Intelectuais, políticos e populares, incluindo muitos homens de cor, livres e escravizados, deram forma a um articulado e longo movimento, cujas origens são localizadas em estudos recentes no contexto dos debates sobre a proibição do tráfico de escravos, em 1850, e que se fortaleceu em finais da guerra do Paraguai, durante a elaboração e discussão da Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871. Em termos espaciais, o abolicionismo tornou-se nacional na década de 1880 e cruzou as fronteiras, quando brasileiros dialogaram com personagens e instituições estrangeiras, no contexto em que diversos países aboliam a escravidão em seus territórios. A Lei Áurea, portanto, estava longe de ser fruto do ato de vontade da Coroa.


Se o caráter revolucionário dessa peça legal era indiscutível naquele 13 de maio, eram também notórias as limitações de uma lei que punha fim a uma instituição de três séculos com apenas dois parágrafos: “Art. 1º. É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil. Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário.” Abolicionistas e escravagistas bem sabiam que muito faltava para a solução da questão servil, para se usar termo da época. Questões como a inclusão dos libertos na sociedade, a substituição da mão de obra e a indenização dos proprietários eram objeto de acalorados debates ignorados pela letra da lei.


A despeito das limitações apontadas, as comemorações tomaram as ruas e os campos nos dias que se seguiram àquele 13 de maio. As comemorações oficiais, promovidas pelas Câmaras Municipais e associações abolicionistas, buscaram promover a ordem e a harmonia da sociedade, conclamando os libertos a participarem da marcha da civilização e do progresso. Contudo, os júbilos da população disputavam as ruas com a continuidade das tensões que marcaram os últimos anos do movimento abolicionista e dos que a ele reagiam e insistiam em teses como o fim gradual e as indenizações. Pelas ruas, em meio às comemorações, liberais e conservadores disputavam a paternidade da Lei, muitas vezes com violência física; escravistas mais radicais tomaram medidas que visavam impedir a saída de seus ex-escravos de suas terras, apegados à propriedade e à esperança de receberem indenizações. Os libertos, por sua vez, reivindicaram certo protagonismo nas comemorações, com a promoção de missas nas Igrejas do Rosário, a tomada das ruas e campos com danças e músicas e a recusa de trabalhar nos dias que se seguiram à abolição, além do abandono de muitas fazendas.


Abriram-se então expectativas de ampliação da comunidade política brasileira e dos direitos de cidadania, as quais, como sabemos, viriam a se frustrarem desde o início da República, quando o Estado e suas políticas excludentes, muitas delas pautadas por teorias racistas, negligenciou essa larga parcela da sociedade brasileira, entre outras coisas, preterida pela opção da imigração estrangeira.


A despeito da Lei Áurea ter sido vista pelos contemporâneos como uma revolução, a elaboração de sua memória como resultado de um ato de vontade da princesa regente – e consequentemente o silêncio quanto à participação dos homens e mulheres de cor na contestação da escravidão – e as suas limitações levaram à substituição do dia 13 de maio pelo 20 de novembro, dia da morte do líder Zumbi dos Palmares, como marco do movimento negro, em 1988.


Neste 13 de maio de 2017, percebe-se que muito ainda falta no caminho da verdadeira emancipação do povo negro no Brasil.

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