OPINIÃO

Pio Penna Filho é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Graduado em História, pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), mestre em História e doutor em História das Relações Internacionais, ambos pela UnB. Atua nas áreas de História, Relações Internacionais e Segurança Internacional, nos temas: em América Latina e África. 

Pio Penna Filho

 

A possível interferência da inteligência russa nas últimas eleições norte-americanas é um assunto que tem chamado a atenção de muitos analistas, sobretudo pela gravidade das acusações.

 

Dificilmente os americanos irão revelar a extensão dessa interferência, caso ela de fato tenha existido. Isso porque seria uma falha imperdoável dos serviços de segurança dos Estados Unidos, a maior potência mundial.

 

Que há algo no ar, isso há. Altos funcionários da administração Trump já foram demitidos no contexto de denúncias e investigações relacionadas ao caso em questão. Parece que, além de terem interferido para prejudicar a candidata democrata nas últimas eleições, os russos ainda se aproximaram de assessores muito próximos do presidente Donald Trump para tentar obter informações ou mesmo influenciar o novo governo.

 

Trata-se de uma ousadia e tanto. E isso dos dois lados. Se os russos interferiram, eles penetraram no coração da democracia norte-americana, no maior pleito eleitoral do país. Se Trump sabia de algo e nada fez, haja vista que de alguma forma ele seria beneficiado, isso foi praticamente uma traição contra o seu próprio país.

 

Ultimamente, com a consolidação do mundo virtual impactando diretamente nas atividades de nossa sociedade, esse novo mundo nos traz novos desafios e nos coloca diante de novas e graves vulnerabilidades. Sem dúvida, a política também é afetada, principalmente porque fica mais difícil manter o controle e o sigilo sobre a enorme quantidade de informações que produzimos e fazemos circular cotidianamente.

 

Com o mundo cada vez mais virtualizado, a espionagem atingiu um elevado grau de sofisticação e o seu leque de atuação se ampliou consideravelmente. Nossas vidas privadas já não são mais tão privadas assim, haja vista o grau de exposição virtual a que nos submetemos em muitas das nossas atividades cotidianas, e em muitos casos sem sequer nos darmos conta disso.

 

Medidas de segurança e preservação de informações sensíveis parecem não acompanhar o ritmo acelerado da inovação cada vez mais criativa de intrusão nos registros que deixamos em equipamentos eletrônicos, com destaque para computadores e celulares.

 

No fundo, a moderna espionagem associa velhas técnicas de abordagem com as novas e variadas possibilidades de se extrair informações com objetivos de influenciar os acontecimentos. No caso da Rússia, sugere-se, inclusive, que ela também tentou influenciar processos eleitorais em outros países.

 

De toda forma, assim com a vulnerabilidade é uma realidade do nosso mundo interconectado, quase todas as ações intrusivas costumam deixar rastos. E isso parece ter acontecido na última campanha eleitoral dos Estados Unidos.

 

Que alguma coisa de diferente e anormal aconteceu naquela eleição, isso é fato. Quando nada, a própria vitória absolutamente inesperada de Donald Trump sugere que algo não estava lugar.

 

A possibilidade de interferência de um país no processo eleitoral de outro deve servir de alerta para todos os países, inclusive para o Brasil. Por aqui, muita gente já colocou em dúvida a segurança do nosso processo eleitoral com a utilização de urnas eletrônicas. Mesmo que isso possa parecer uma espécie de teoria da conspiração, a vulnerabilidade eletrônica do nosso mundo não nos permite negligenciar esse assunto.

                                                                                   

Artigo publicado originalmente na Gazeta Digital em 26/5/2017.

 

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