Ellis Regina Araújo
“Coisa difícil é ser belo”, narra Platão ao pôr um ponto final no diálogo Hípias Maior, depois da exposição de várias definições do belo. Hoje, ter um corpo masculino esculpido, a partir do conceito de beleza clássica que implica harmonia, proporção e simetria, é uma tendência que o faz parecer “normal”, “natural”, inerente e essencial. No mundo mediatizado, em que a aparência está na ordem do dia, essa construção do corpo “natural” é, cada vez mais, artificial e arbitrária, e a boa proporção muscular torna-se um dos significados de força e de beleza.
O livro O Corpo Nu e as Representações Sociais do Masculino reúne os resultados de pesquisa realizada no âmbito da pós-graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. O livro apresenta conclusões baseadas em 88 entrevistas e na análise de cerca de mil fotografias de nudez masculina publicadas ao longo de quase uma década. São imagens que não apenas informam sobre os usos do corpo, mas estão, sobretudo, produzindo-o. A obra aborda, entre outros aspectos, a homogeneidade dessas imagens e explora questões que se referem ao gênero e à estética e idealização do corpo.
As representações contidas nas fotos desempenham uma função no processo de construção de um corpo erótico gay. As publicações dão à pessoa o conhecimento objetivo de imagens fotográficas do corpo nu, mas também interferem na forma subjetiva da imagem masculina erótica que cada um constrói de si.
A abordagem apoia-se na teoria das representações sociais, nos estudos de gênero e nos estudos queer. Trata-se de um arcabouço teórico que explora categorias como senso comum, diferença, resistência e subjetividades, e problematizam noções clássicas de sujeito e de identidade.
O estudo das imagens de nudez masculina permite o acesso ao conteúdo de representações sociais que orientam importantes práticas para constituição da realidade. O conceito de corpo é uma construção social e histórica e as representações sociais são partes do conhecimento e da experiência que se tem do próprio corpo, que é também um instrumento de diferenciação social em aspectos simbólicos e estéticos.
O livro mostra imagens fotográficas em que há uma visão de corpos gays que é representada de forma a reproduzir padrões de comportamento. As fotografias das duas revistas analisadas revelam imagens recorrentes de corpos masculinos que lembram "esculturas" com características que se aproximam de figurações artísticas de heróis gregos como Apolo. Tratam-se das revistas G Magazine e Sex Boys, publicações modelares destinadas ao público gay durante o período de investigação. Os periódicos exibem modelos que combinam características que os aproximam de artistas de cinema ou de televisão, em um padrão de perfeição associado a signos tradicionais de masculinidade.
Os corpos em exposição são rijos, fortes, trabalhados em academia. Os homens apresentados são jovens com aparência de menos de trinta anos, morenos e bronzeados. Ao mesmo tempo, o corpo masculino, viril e forte, é enquadrado em posições femininas. Portanto, a estética que representa o corpo masculino nos ensaios é bastante ambígua em termos de gênero. Isso ocorre porque não há um corpo masculino fixo. Há corpos criados e representados de distintas formas, em diferentes grupos sociais. Hoje, o gay é performático, bem informado e seduzido pela mídia, preocupado com a construção estética do próprio corpo e do prazer, o que pode ressignificar as noções tradicionais de masculinidade.
Por outro lado, nas revistas, há uma visão de corpos gays que não é, na verdade única, porém é representada de forma a reproduzir modelos de comportamento criando uma padronização, uma matriz que orienta o olhar sobre os corpos. Essa visão influencia a compreensão do que é o ideal e interfere em formas de relacionamento e de comunicação. A exposição que devassa o corpo passa a emanar significados pelos quais são enunciados conceitos, classificações e modos de subjetivação.
As fotografias podem reinscrever novas fronteiras de uma corporalidade pública masculina. No entanto, os critérios para escolha das imagens parecem ser impostos pelos limites do valor do visual que é socialmente construído. Das 25 capas analisadas, apenas duas apresentavam homens negros como modelos. Dos 50 ensaios, apenas dois traziam modelos negros. Os modelos eram todos jovens, e não havia homens efeminados. Há uma omissão em relação a outras alternativas eróticas e à aparência física tida como inadequada para os padrões estéticos considerados ótimos. A obra sugere uma atitude mais sensível em relação à diversidade, que exponha, nas fotografias, diferentes possibilidades estéticas.
A obra da professora Ellis Regina Araújo será lançada nesta quinta-feira, 17 de setembro, a partir das 19h, no Café Savana (116 norte).