OPINIÃO

João Carlos Teatini de Souza Clímaco é Ph.D. em Estruturas pela Polytechnic of Central London e professor associado do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB).

João Carlos Teatini S. Clímaco

 

Os versos de Aldir Blanc, imortalizados com João Bosco em O bêbado e a equilibrista, hino da anistia na década de 1970, foram lembrados, infelizmente, após o desabamento do viaduto no Eixo Rodoviário Sul em Brasília, em 6/2/2018. Como citei em entrevista, Deus é Candango, por não haver vítimas (Brasília Capital, 9/2/2018). Mas outros colapsos causaram mortes, como o Viaduto Guararapes, construído para a Copa do Mundo de 2014, em Belo Horizonte.

 

As matérias e declarações da mídia criticaram a falta de manutenção pelos governantes, que, em geral, preferem o brilho das obras novas, não raro superfaturadas. Sem pretender esgotar o tema, este texto busca esclarecer alguns aspectos, evitar falsos alarmes, mas apontar riscos verdadeiros.

 

Lembrar, inicialmente, que viadutos do setor central de Brasília foram restaurados por alguns governos, como a Plataforma Superior da Rodoviária, recuperada pela primeira vez de 1995/98. Os projetos foram elaborados por equipe de professores do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia (ENC/FT) da Universidade de Brasília (UnB), que também supervisionou a execução. No entanto, as obras desse complexo só foram concluídas 20 anos depois, com o viaduto defronte ao Conic, no Setor Comercial Sul. É forçoso perguntar: essas estruturas têm manutenção periódica?

 

Em janeiro de 2006, caiu um trecho da laje superior do viaduto na saída do apelidado ‘Buraco do Tatu’, no Eixão Norte. Foi reparado e, na sequência, o viaduto simétrico no Eixão Sul. No mesmo ano, a Agência de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do GDF convidou o autor deste artigo e outro professor da equipe citada da UnB para investigar a concepção estrutural de 17 viadutos em torno da Rodoviária Central. No Parecer Final desse trabalho, constava que: “[...] no aspecto geral, pode-se classificar como crítico o grau de deterioração das estruturas dos 17 viadutos”. Foram propostos três graus de prioridade para intervenção: “imediata”, “de curto prazo” (até seis meses) e “média” (até 12 meses). Menos da metade desses viadutos foi recuperada, mas não o que desabou.

 

Por que o viaduto desabou? Seu pavimento superior é constituído por oito tabuleiros de lajes de concreto, suportada por sete pilares em forma de ‘V’, prolongados nas duas laterais por vigas em balanço (livres). Uma estrutura de concreto protendido, composta por ‘cordoalhas’ ou ‘feixes’ de barras de aço de alta resistência, tracionadas e distribuídas no concreto, que deve proteger o aço da corrosão. As lajes de concreto são ditas ‘nervuradas’: duas camadas de lajes, lisas nas faces superior e inferior, com o interior composto de vazios – ‘células’ ou ‘alvéolos’ formados por material inerte –, caixotes de madeira, isopor ou papelão não reaproveitáveis, daí seu nome ‘caixão perdido’. Explicação essencial, pois a maioria dos viadutos antigos de Brasília foi executada assim, com a desvantagem de dificultar a manutenção preventiva; mas providências em tempo hábil podem evitar desastres similares!

 

A causa principal do colapso do viaduto foi corrosão do aço das vigas de suporte do tabuleiro e suas ligações aos pilares, por infiltração contínua de água e detritos nas fissuras e nas juntas de dilatação, sem manutenção por quase 60 anos. Fotos e vídeos obtidos de relatórios da Novacap/GDF divulgados na internet, feitas com câmeras introduzidas nos alvéolos das lajes, mostram também que muitas nervuras não foram concretadas em grandes trechos, ficando as cordoalhas totalmente expostas à corrosão.

 

Quanto ao relatório sobre o viaduto elaborado por equipe da UnB, divulgado em 8/3/2018, deve-se cumprimentá-la pelo trabalho, tendo colaborado inclusive no projeto de escoramento da estrutura remanescente. Os resultados foram respaldados em análises criteriosas de ensaios do concreto e aços coletados, em metodologia de quantificação de danos desenvolvida e validada no Programa de Pós-Graduação em Estruturas e Construção Civil, bem como nacionalmente, e em modelo numérico-computacional para análises estática e dinâmica. Nas conclusões, ao indicar a demolição da estrutura, certamente, buscou amparo no célebre provérbio romano – “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta” –, pré-requisito também na Engenharia: uma estrutura não deve apresentar qualquer sinal que lance suspeitas sobre sua segurança ou inquietação ao público em geral.

 

O rigor técnico-científico do Relatório UnB e sua repercussão positiva na comunidade forçam-me a lamentar declarações pouco elegantes de alguns gestores do GDF e um comentário inadmissível de um professor-engenheiro da USP, de área experimental, ao afirmar que “[...] não quer saber de testes de laboratório (sic).” (Agência Brasil, 8/3/2018). Esse profissional, contratado pelo GDF e/ou Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/DF), demanda uma relação melhor explicada.

 

Antes, a presidente do Crea/DF sugeriu a “demolição total” do viaduto, pois “A estrutura está como se fosse uma casca de ovo”, citando relatório de 2009 de uma comissão de peritos criada pelo Conselho (G1/DF, 7/2/2018). Agora, defende reforçar o viaduto, com proposta do citado professor, sócio de empresa de manutenção/recuperação de estruturas com serviços prestados à Novacap! Poderia ele falar pelo GDF? E o empenho da presidente do Crea/DF? Tem apoio dos milhares de filiados de uma autarquia federal?

 

E o viaduto deve ser demolido? A necessidade de maior investigação é óbvia, em especial os pilares, blocos e tubulões da fundação. No Relatório UnB, o concreto dos pilares indica resistência suficiente; caso confirmado, parte substancial dessas regiões podem ser reforçadas, com rapidez, eficiência e economia, preferencialmente com materiais leves; como mantas flexíveis à base de polímeros de alta resistência ‒ carbono, fibra de vidro ou aramida.

 

No caso dos tabuleiros de lajes de concreto, com dimensões totais de largura 28,0m e extensão 194,0m, totalmente degradados, fato exposto à exaustão em todos os relatórios e depoimentos sobre o viaduto Galeria, qualquer proposta que não garanta recuperação integral e manutenção permanente é temerária, desafiando o provérbio de César acima citado!

 

 

Recomendável seria empregar solução contemporânea como estruturas mistas ‒ lajes de concreto servindo de mesas de compressão para vigas de aço ‒, de rápida execução, economia e peso próprio reduzido. Nas lajes inferiores, usar placas de concreto, algumas removíveis, para permitir manutenção periódica e garantir durabilidade, em nada ferindo o partido arquitetônico original de Lucio Costa. E uma vantagem extraordinária: todas essas obras podem ser executadas por empresas do DF, que nelas já demonstraram capacidade e experiência!

 

Por último, mas essencial: na reconstrução do viaduto, tratando de ‘obras emergenciais’ e recursos públicos em ano eleitoral, o GDF não pode descuidar da “[...] força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Começamos com Aldir/Bosco e terminamos com Caetano, esperando que a maravilhosa música brasileira inspire Brasília não apenas agora, mas em todo este 2018 tão conturbado!

 

__________________________________

ATENÇÃO

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. Os textos podem ser reproduzidos em qualquer tipo de mídia desde que sejam citados os créditos do autor. Edições ou alterações só podem ser feitas com autorização do autor

 

Palavras-chave