OPINIÃO

Assis da Costa Oliveira é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, professor de Direitos da Faculdade de Etnodiversidade da Universidade Federal do Pará, campus de Altamira. Secretário de articulação do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais. Advogado.

Assis da Costa Oliveira

 

A relatora especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve na UnB nessa segunda-feira, 7 de março, em audiência promovida pelo Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT), a Associação de Acadêmicos Indígenas da UnB, a Rede de Juventude Indígena (REJUIND) e o Comitê Permanente de Apoio ao Povo Guarani e Kaiowá na UnB.

 

O protagonismo da juventude indígena esteve patente em todos os momentos do evento. Na dupla condição política de estudantes universitários (nos níveis de graduação e pós-graduação) e de representantes de seus povos, as jovens lideranças indígenas que falaram durante o evento, apresentaram à relatora as questões que mobilizam os povos indígenas, com ênfase sobre os cenários de violações de direitos, a omissão do Estado brasileiro.

 

Na mesa constituída para abordar o assunto, Valéria Payê, representante da Associação dos Acadêmicos Indígenas da UnB, lembrou que o espaço em que o próprio evento ocorria, a Maloca, foi fruto de muita luta e protagonismo dos estudantes indígenas na UnB.

 

No campo da educação, destacou como principais desafios a ampliação da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino superior – já que a Lei nº 11.645/2008 só torna obrigatório esse conteúdo no nível da educação básica.

 

Retificou também a necessidade de garantir a implementação dos territórios etnoeducacionais, a formação continuada dos professores para lidar com a diversidade cultural, não apenas no nível da educação básica, mas também no nível do ensino superior. “Que a universidade combata todas as formas de discriminação etno-racial e que todos os processos sobre os povos indígenas contem com sua participação efetiva”, finalizou Valéria Payê.

 

Não apenas o direito à educação diferenciada aos povos indígenas foi foco da discussão junto à relatora especial da ONU. A juventude indígena também pontuou os desafios macrossociais dos povos indígenas e suas diferentes estratégias de luta, na medida em que o Estado brasileiro negligencia a promoção de direitos e, por vezes, atua como seu principal violador.

 

Nesse sentido, Rootsitsina Juruna, representante da REJUIND, afirmou que é necessária a implementação dos marcos regulatórios dos direitos indígenas. “Acreditamos que uma das formas de implementação dos direitos é por meio das políticas públicas”. Segundo Rootsitsina Juruna, a juventude indígena tem que conviver entre “dois mundos”: o contexto tradicional indígena e o espaço urbano não indígena.

 

Esse trânsito pode ser instrumentalizado pelos povos indígenas para a promoção de ações de resistência e resiliência para superação dos dilemas enfrentados na afirmação dos seus direitos. Ficou claro em sua fala que isso só será possível se houver o devido fortalecimento da capacidade dos jovens, seja internamente em seus coletivos, seja por meio da sua inclusão em políticas públicas

 

Ao final, ela colocou como recomendação ao Estado brasileiro e à relatora especial da ONU, que haja “participação plena e efetiva da juventude, mulheres e povos indígenas nos processos de tomada de decisão”.

 

Alceu Karipuna, estudante do MESPT, comunicou à relatora o compromisso desse programa de pós-graduação com o cumprimento das Metas do Milênio para o Desenvolvimento Sustentável. O MESPT é pioneiro, em sua estratégia de inclusão de indígenas, quilombolas e sujeitos vindos de outras comunidades tradicionais na pós-graduação, a fim de promover um espaço de diálogo entre conhecimentos tradicionais e científicos, em prol da sustentabilidade em nível local e global.

 

Três falas, de três jovens indígenas que evidenciaram a necessidade de fortalecimento dos espaços de participação dos povos indígenas no Brasil, como mecanismo prioritário para a melhoria da garantia de seus direitos e de um futuro digno.

 

A relatora especial da ONU, em seu discurso, concluiu que os jovens são fundamentais para a força do movimento indígena, não só no Brasil, mas no mundo. “Eu tenho uma esperança imensa na juventude indígena, para o desenvolvimento de novos líderes capazes defender com mais força os direitos dos povos indígenas”.

 

A visita da relatora especial da ONU continua até o dia 17 de março, com incursões aos estados da Bahia, Mato Grosso do Sul e Pará. Certamente, em cada um desses locais, a relatora escutará não apenas relatos de violações de direitos dos povos indígenas, mas também as vozes de suas lideranças, jovens ou adultas, empenhadas em resistir às opressões e em seguir lutando pela definitiva descolonização de suas culturas e territórios.

 

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