Dioclécio Campos Júnior
O ano de 2016 tem início. Não se sabe o que será. Nem o que poderá vir a ser. A cultura especulativa permanece na ordem do dia, mas o túnel a ser atravessado é pura escuridão. Somente haverá luz caso a nação seja capaz de enfrentar a encruzilhada em que se encontra, ingressando no caminho das transformações que se tornaram inadiáveis para o país. Se não revelar a indispensável ousadia para mudar o modelo de sociedade em que vivemos, o lamaçal seguirá inundando nossas entranhas ditas democráticas. Não somente a lama que polui as águas fluviais e vilas ribeirinhas, mas principalmente a que expande a podridão moral e ética em que o país é administrado e conduzido há muito tempo.
A crise que se abateu sobre o Brasil precisa ser tratada de forma diferente. Não basta repetir medidas adotadas em outras situações críticas anteriores. É restringir-se ao tratamento sintomático que não erradica as causas arraigadas visceralmente no organismo brasileiro. Melhorar só os indicadores econômicos em curto espaço de tempo representa tratamento emergencial que alivia, mas não cura.
A violenta desigualdade social que se propaga país afora é a doença mais grave que sempre acometeu a população num dos territórios mais privilegiados do planeta. Tornou-se impossível disfarçá-la. Os estragos que produz crescem na velocidade de uma avalanche desumana incontrolável. Não podemos nos contentar com políticas destinadas apenas a distribuir bolsas analgésicas que atenuem a dor produzida pela pobreza nas pessoas que sofrem de tamanha injustiça. Isto não é garantir direitos, é apenas postergar soluções.
As iniquidades vergonhosas que incluem o Brasil entre os países com os piores índices de desenvolvimento humano têm origem na gestação e nos primeiros anos de vida da criança. Decorrem da absurda precariedade das condições que são indispensáveis ao crescimento, diferenciação e desenvolvimento do cérebro, órgão insubstituível para a formação da personalidade saudável, da inteligência adequada, da capacidade de aprender, criar, inovar, interagir, assimilar princípios comportamentais, educar-se com desempenho adequado em todos os níveis de escolaridade, chegar à vida adulta como um cidadão com plena capacidade de exercer suas originalidades potenciais e sua criatividade ilimitada.
Se a indispensável formação qualificada do cérebro não ocorre, a criança perde a oportunidade única de alcançar a idade adulta dotada do nível intelectual que lhe possa garantir a dignidade existencial a que todos têm direito. Perpetuam-se assim as sequelas mentais irreversíveis que inferiorizam, social e economicamente, as vítimas de uma infância desprotegida, desvalorizada, carente de afeto, desprovida de estímulo, cercada de violência, segregada pelas classes privilegiadas.
Não por qualquer outra razão, vivemos no país com o mais alto índice de assassinatos por arma de fogo no mundo; convivemos com deprimentes indicadores de analfabetismo funcional; desconhecemos a relevância do respeito humano, grandeza pessoal que se adquire na convivência fraterna que passamos a desprezar; somos formados na cultura do consumismo inútil, nefando e ilusório; banalizamos todas as formas de abuso e negligência contra a criança e o adolescente; construímos degradantes presídios para os pobres em conflito com a lei, minúsculas casas para a chamada classe média, luxuosos condomínios para a elite dominante; e vulgarizamos o cenário educacional destinado a acolher bem o ser humano em fase de crescimento e desenvolvimento, requisito inegociável para que a capacidade de aprendizagem seja cultivada com o indispensável ingrediente do carinho e afeto.
Essa é a descrição sintética da sociedade brasileira em que vivemos. Chegamos inegavelmente ao fundo do poço. Não por acaso. Muito menos por crises externas ao país. Pagamos pelo descuido cometido contra a prioridade dos cuidados a serem dispensados à educação, pré-requisito maior para os avanços evolutivos e transformadores que temos deixado de conquistar.
Além de universalizar e estender a duração da licença-maternidade, primeira etapa do processo educacional, o governo precisa deixar de lado o imediatismo dos efeitos placebo nos quais se concentra para superar a crise. A educação de qualidade para todos é a única estratégia segura e revolucionária para reconstruir a sociedade humana que o Brasil merece. É o pressuposto cultural de um povo, sem o qual não se pode falar em cidadania. Muito menos em democracia. Sem educação, não sairemos do fundo do poço.
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense em 22/1/2016