Alberto Veloso
Por serem imprevisíveis, os terremotos surpreendem, alguns mais do que outros. Eis a história de um deles, ocorrido há exatamente 40 anos na região nordeste da China.
Na madrugada de 28 de julho de 1976, a cidade industrial de Tangshan, com cerca de um milhão de habitantes, em poucos minutos foi quase aplainada por um terremoto de magnitude 7.5. Dependendo da fonte de informação, o número de mortos varia de 243 mil a 700 mil pessoas – qualquer deles terrivelmente assombroso. Por ser um evento tão devastador, ele chamou a atenção de todos, especialmente da comunidade sismológica mundial, por razões que veremos adiante.
Não se fala do sismo de Tangshan sem mencionar o de Haicheng, e vice-versa. Ambos os terremotos atingiram cidades com populações equivalentes, apresentaram magnitudes parecidas (7.5 e 7.3) e epicentros distanciados por 400 km. O de Haicheng ocorreu apenas 17 meses antes, em 4 de fevereiro de 1975. Entretanto, existe uma grande diferença entre eles. Em Haicheng a destruição foi maciça, mas contabilizou-se pouco mais de dois mil mortos, para uma população próxima de um milhão de pessoas. Como explicar tão baixo número de fatalidades, comparado a Tangshan?
Baseados em varias evidências (série de sismos precursores, modificação do nível d’água em cisternas, deformações geodésicas, comportamento estranho dos animais, etc), sismólogos e autoridades chinesas concluíram que um terremoto forte estava prestes a acontecer na área de Haisheng - o processo dessa predição ainda não é totalmente transparente, faltam documentos e muitos detalhes técnicos-científicos. Mas, confiantes em seus prognósticos, as autoridades trataram de por em marcha uma gigantesca evacuação na área alvo, um dia antes. E o terremoto apareceu às 19:36h encontrando cidades e povoados praticamente vazios.
Pela primeira vez acontecia uma predição sísmica de sucesso. O mundo científico admirou-se com o feito chinês. Como a pólvora, a bússola, a porcelana, o sismoscópio (instrumento que detecta terremotos), teriam os chineses “inventado” como prever terremotos? Estaria começando uma nova era científica para a sismologia?
Infelizmente a resposta foi NÃO. E o desastre de Tangshan é a clara prova da impossibilidade de prever terremotos importantes. Tudo de positivo conseguido em Haicheng não mais funcionou, pouco tempo depois. A euforia de antes reduziu-se a descrença em dominar o processo da predição sísmica, fato praticamente aceito por quase todos os sismólogos da atualidade.
É preciso acrescentar que, naquele fatídico 1976, a China vivia períodos de extrema turbulência interna. O popular primeiro ministro Zhou Enlai havia falecido no ano anterior, o eterno camarada Mao Zedong encontrava-se seriamente enfermo, sua última esposa Jiang Quing, componente da Camarilha dos Quatro, lutava para conseguir dominar a nação, tendo como pano de fundo os estertores finais da Revolução Cultural.
Na confusão de mando e desmandos, mesmo se os estudiosos chineses tivessem alguma pista sobre a possível ocorrência de um terremoto forte na região de Taisheng, dificilmente conseguiriam por em prática planos semelhantes aos de Haicheng.
Para outros milhões de supersticiosos chineses continuava valendo a crença de que terremotos catastróficos sinalizam mudanças de governantes, algo que o povo cultuava desde o tempo dos antigos imperadores, mas que se mostrou correto naquela altura da história. O desaparecimento do camarada Mao possibilitou profundas mudanças na China, que modernizou-se e encontrou novos rumos para tornar-se a potência de hoje.
Ao relembrarmos os 40 anos do surpreendente terremoto de Tangshan, mesmo reconhecendo neste espaço de tempo grandes progressos alcançados pela sismologia e pela tecnologia da engenharia sismo-resistente, temos de admitir que no particular caso da predição sísmica ainda permanecemos “praticamente ignorantes”. Quando, onde e de que tamanho será o próximo terremoto importante são perguntas cruciais de interesse de toda a sociedade, mas para as quais não temos respostas satisfatórias.