João Cláudio Todorov
Elogiado por todos os que trabalharam com ele, dos colegas aos alunos, passando por servidores dos órgãos que dirigiu, Lauro Mohry cativava por sua presença serena e acolhedora, sempre bem-humorado e confiante dos rumos a tomar. Nunca foi meu chefe, mas vejo no depoimento dos que tiveram essa experiência o resultado da boa relação vivida. Meus contatos com ele foram vários e diferentes. Em 1963 votei nele quando fez parte da chapa de José Serra na eleição para a presidência da UNE. Não nos conhecíamos então, mas o passado comum de participação na política estudantil sempre reaproxima as pessoas. Começamos a conviver quando o Laboratório de Analise Experimental do Comportamento mudou do prédio SG-12 para o Minhocão, mas já estávamos outra vez juntos em um movimento de política universitária desde a assembleia de fundação da ADUnB em 1978. Acabamos virando uma espécie de compadres acadêmicos quando o primeiro bolsista de iniciação científica do Lauro, o Marcelo Valle, se casou com uma de minhas melhores alunas de iniciação científica, Elenice Hanna.
Perseverança
Sua história com o vestibular da UnB começou cedo, logo que chegou para trabalhar no Instituto de Química. De comissões ad hoc nomeadas para cada vestibular, como em 1965, ano em que o Prof. Romeu de Moraes Almeida veio de São Paulo para ser seu coordenador, a UnB passou a contar com uma Comissão Permanente do Vestibular desde 1970, na administração do Reitor Amadeu Cury. Lauro trabalhou na COPEVE desde o início, como sempre levando o trabalho muito a sério, de tal forma que quando participou da campanha que elegeu Cristovam Buarque reitor já tinha pronta a sugestão de uma diretoria, que acabou criada dentro da estrutura do Decanato de Ensino de Graduação. A antiga comissão permanente virou Diretoria de Acesso ao Ensino Superior (DAE), dirigida por Lauro Mohry.
Cristovam assumiu a reitoria em 15 de agosto de 1985, eu fui eleito a seguir e assumi a vice-reitoria em 15 de novembro. A equipe já estava formada e trabalhando e ao vice-reitor coube auxiliar o reitor nos colegiados acadêmicos e presidir as sessões do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. Interessados em pesquisar a história de alguns dos sucessos de Lauro Mohry ganharão com a consulta às atas do CEPE desde 1985. Descobriu-se que o responsável direto pelo vestibular da UnB era contra esse vestibular como existia. Era tão contra que preferiria escolher os alunos pela consulta de suas notas no Ensino Médio. Perdi a conta de quantas vezes essa ideia e sucedâneas foram discutidas e rejeitadas pelo CEPE, transbordando para outros colegiados, para institutos e faculdades. Nos dez anos seguintes a persistência do Lauro levou a desenvolvimentos que mudaram não só a UnB, mas o pais também – ENEM, PAS, sistema de quotas.
Vestibular da UnB
Quando fui eleito reitor em junho de 1993 decidimos usar os meses que tínhamos até a posse em novembro para fazer o planejamento estratégico da gestão. Coordenado pelo Prof. Guilherme Vivacqua, do então Departamento de Administração, o processo de transformação do programa de campanha em plano de ação envolveu mais de 300 professores e mais de 400 servidores técnico-administrativos. Um dos projetos apresentados pelo Lauro Morhy foi o de transformar a DEA em um centro ligado diretamente à reitoria, com autonomia financeira, que continuasse responsável pelo vestibular da UnB, mas que também atuasse no resto do ano no mercado de vestibulares e concursos. O projeto recebeu aprovação tão geral que todos os documentos necessários à criação do CESPE – Centro de Seleção e Promoção de Eventos – estavam prontos quando assumi a reitoria. A agilidade para captação e gestão de recursos foi essencial para o sucesso do novo centro; um sucesso tão grande que recentemente o CESPE foi "promovido’’ para fora da UnB, em "desapropriação’’ feita pelo Governo Federal. A estrutura que começou como Comissão Permanente há mais de quarenta anos tem uma dinâmica interna tão forte que a faz resistir e crescer mesmo com mudanças radicais na organização em que se insere.
PAS
O Programa de Avaliação Seriada foi objeto de uma parceria entre a UnB quando eu era reitor, e o Governo do Distrito Federal, quando meu amigo e colega ex-reitor Cristovam Buarque era governador do Distrito Federal. A comissão mista UnB-GDF para estudar as condições para o desenvolvimento de um programa de avaliação seriada nos moldes da sugestão do Lauro Morhy foi criada por ato do reitor em ----- de ---- de 1995. A primeira constatação da comissão formada por professores do GDF, da rede privada, e da UnB, foi a de que o ensino médio em Brasília era um caos. Nem na rede pública os currículos eram os mesmos. A confusão era tão grande que decidiu-se adiar em um ano a implantação do programa até que a Secretaria de Educação do GDF, comandada pelo ex-reitor Antonio Ibañez, sincronizasse currículos e sua execução em toda a rede. A comissão mista funcionou com recursos da UnB gerados pelo CESPE, o que talvez seja responsável por algumas notícias que mencionam o CESPE como responsável pelo PAS. Não foi. O PAS foi um processo de longa maturação, iniciado pela sugestão de Lauro Morhy e acompanhado sempre por ele, mesmo quando já não tinha ligação direta com o vestibular por ser nomeado Decano de Pesquisa e Pós-graduação em novembro de 1993.
Avaliação.
Logo depois do carnaval de 1996 o Ministro Paulo Renato conversou informalmente com alguns reitores sobre um projeto que se lhe veio quando caminhava solitário na praia durante os feriados. A questão da avaliação e seleção de alunos já era nacional, havia sido liderada de início na UnB por Lauro Morhy e pela Professora Isaura Beloni, da Faculdade de Educação, mas rapidamente foi difundida pelas associações, sindicatos e partidos. Pois Paulo Renato teve uma epifania na praia – uma só prova, nacional, do MEC, para selecionar os alunos, sem as características criticadas nos vestibulares das universidades, e com todos os requisitos recomendados pelos especialistas em avaliação. Rapidamente chamado de Provão, aproveitado pela UNE para gerar o slogan O Provão não Prova Nada, o que o ministro ganhou no carnaval de 1996 virou o ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio.
Futuro
Lauro foi um daqueles homens indispensáveis para o futuro de qualquer grupo. Pesquisador renomado, ativista na política científica, preocupado com as questões nacionais, e um modelo para o professor universitário: professor, pesquisador, administrador, visionário.