David Duarte Lima
As vias públicas, como estão sendo utilizadas hoje, são espaços de estresse, congestionamento, perda de tempo, poluição e conflitos. Produz tragédias: mortos, feridos, aleijados. Nos últimos 30 anos, um milhão de brasileiros perderam a vida nas ruas e milhões foram para cadeiras de rodas. Anualmente, são cerca de 50 mil mortos e um milhão de feridos. Mil pessoas sofrem lesões irreversíveis a cada dia.
Insensíveis, os governos escondem-se na incompetência, na inépcia, no descaso. Na população, impera a ignorância sobre as regras básicas de segurança no trânsito, a falta de educação, o desprezo pelo risco. Frequentemente, é o álcool que dá liga ao amálgama calamitoso e funesto. Pesquisas internacionais mostram que o álcool é o principal fator de pelo menos 20% dos acidentes mortais.
Todos estamos imersos nesse caos. Mas nos acostumamos. Estamos habituados a conviver com esse escândalo. Quem nunca viu um motorista dirigindo embriagado? Ou bêbados que se arriscam em travessias sem tomar conhecimento dos riscos? Motociclistas que sepultam a segurança em função da pressa invadem o corredor e serpenteiam pelas ruas como loucos? Quem nunca levou um susto com uma moto zunindo e passando a centímetros do carro? Às vezes, mais à frente, está o pobre no chão... Numa condução cujo equilíbrio é essencial alguns pilotam sob efeito de álcool, o que precipita a próxima queda.
Os efeitos do álcool no organismo são desconhecidos para a maioria da população. Os condutores conhecem o lema "se beber, não dirija". Porém, poucos sabem quanto tempo se deve ficar longe do volante. A pé, de bicicleta, pilotando uma moto ou dirigindo um carro, é comum ver bêbados nas vias públicas.
No trânsito, o álcool aumenta os riscos para todos. Sob efeito dele, um condutor tem 8,5 vezes mais chance de ser o causador de um acidente. Pior: os riscos aumentam de forma exponencial. Basta 0,5g/l (gramas de álcool por litro de sangue), aproximadamente duas latinhas de cerveja ou duas doses de qualquer bebida, para dobrar o risco de acidente mortal. Mais uma latinha (0,8g/l) e o risco é multiplicado por 10; na quinta latinha de cerveja (1,2g/l), o risco de acidente mortal é multiplicado por 35. E as razões são que o álcool modifica a percepção de velocidade, de distância, põe em risco as ultrapassagens, degrada a coordenação motora e a precisão dos gestos, alonga o tempo de reação, turva a visão. Induz à agressividade, provoca sonolência.
Quando alcoolizada, a pessoa perde os parâmetros de segurança, esteja ela a pé ou na condução de um veículo. A mudança no comportamento é evidente: a agressividade assume acintosamente o comando.
Recente estudo do Detran-DF em parceria com o Instituto Médico Legal (IML), publicado pelo Correio Braziliense, mostrou que 21% dos mortos no trânsito tinham alcoolemia positiva. Entre os pedestres essa porcentagem é de 28% e entre os ciclistas 25%. Embriagados, os mais frágeis são ainda mais vulneráveis. Afinal, a diminuição dos reflexos e a mudança de comportamento atinge a todos.
Esse estudo é um bom começo. É um diagnóstico. Falta agora, porém, iniciar o tratamento. Existe larga experiência internacional sobre o tema. Países que avançaram no combate ao álcool no trânsito adotaram medidas em três dimensões. A primeira é ter uma lei clara e exequível. A lei seca, do deputado Hugo Leal, é excelente instrumento para inibir infrações e punir condutores alcoolizados, mas pode ser aperfeiçoada para também proteger os pedestres e ciclistas.
A segunda dimensão consiste em ter campanhas de esclarecimento e sensibilização, alertando sobre os riscos e o tempo necessário para que o álcool seja metabolizado. É importante promover ações como motorista da vez, para que o veículo seja conduzido por alguém que não bebeu. Evidentemente, as ações devem abranger também os pedestres e ciclistas.
Em terceiro lugar, deve haver uma fiscalização eficiente. A blitz tem alcance bastante limitado. É imprescindível treinar melhor os policiais e equipá-los com instrumentos modernos, assim como aperfeiçoar a estratégia de fiscalização. Os órgãos oficiais devem alterar a forma de comunicar as ações repressivas, que devem ser entendidas prioritariamente como medidas de proteção da sociedade.
Já perdemos vidas demais em decorrência do abuso do álcool. Por isso, é imprescindível que o governo assuma suas responsabilidades preconizadas no Código de Trânsito Brasileiro. O envolvimento da sociedade em ações de segurança é fundamental para recuperar a decência e a harmonia no espaço público, como fizemos quando da implantação da faixa de pedestres. É hora de promover a vida.
Publicado originalmente no Correio Braziliense em 23/8/2015