Eduardo Viola
Os discursos de Temer e Obama na ONU foram bastante convergentes e isso mostra que o novo governo brasileiro está mais sintonizado com os valores da democracia representativa, da proteção dos direitos humanos e do desenvolvimento da economia, comparado com os governos Lula e Dilma.
Claro que o discurso de Temer é pobre comparado com o excelente diagnóstico de Obama sobre a difícil situação mundial.
Por outro lado, é interessante observar que seis países se retiraram em repúdio a Temer, sendo cinco deles regimes autoritários ou semiautoritários.
No fundamental, o discurso de Temer foi na direção correta: a favor da globalização e do livre comércio, mas alertando sobre seus impactos negativos em termos de assimetrias internacionais e intranacionais; a favor dos direitos humanos, das migrações internacionais e da proteção aos refugiados; e contra o nacionalismo xenófobo, o racismo, o terrorismo e a proliferação nuclear.
Houve duas deficiências principais no discurso de Temer. Ele fugiu de fazer referência à dramática crise venezuelana, com colapso econômico e social, violações de direitos humanos e criminalidade crescente.
O Brasil será profundamente afetado pela crise no vizinho e é ator de primeira grandeza no cenário venezuelano, inclusive porque tem responsabilidades na criação do problema, pelo apoio dado ao regime durante os governos Lula e Dilma.
Uma política hemisférica conjunta e incisiva coordenada por Brasil, Colômbia, México e EUA seria o único caminho para evitar que a Venezuela se transforme em algo parecido com a Síria.
Temer defendeu corretamente que o impeachment ocorreu dentro das normas da Constituição e do Estado de Direito, mas delirou quando falou que era um exemplo democrático para o mundo.
Dos quatro presidentes eleitos desde a Constituição de 1988, dois sofreram impeachment, numa demonstração da baixíssima qualidade da democracia brasileira.
Michel Temer deveria ter reconhecido diante do mundo a gravidade da crise econômica, política e moral que o Brasil atravessa e destacado que a principal força construtiva da sociedade brasileira é, hoje, a investigação anticorrupção com forte apoio da população.
Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo em 21/9/2016.