BOAS-VINDAS

Palestrante no #InspiraUnB, ativista indígena Célia Xakriabá propôs aos estudantes recém-chegados ressignificação e fortalecimento da vivência no contexto acadêmico

 

Os traços no rosto de Célia Xakriabá demarcam sua ancestralidade. O indígena considera o corpo sua primeira morada. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

“Existe a universidade da vida e a vida na universidade. Estar nesse espaço só tem sentido se não exterminar a nossa identidade.” Com esses versos, Célia Xakriabá sintetizou sua mensagem durante o evento de recepção aos calouros #InspiraUnB, realizado na manhã desta quarta-feira (15), no Centro Comunitário Athos Bulcão.

 

Antes do início da palestra, estudantes indígenas de diferentes povos fizeram uma apresentação com cânticos e dança. “O ritual quebra paradigmas e protocolos. É onde tudo começa e tudo termina”, destacou a palestrante. Ela e os indígenas se conheceram no Centro de Convivência Multicultural dos Povos Indígenas da UnB, a Maloca. Célia, que concluiu o mestrado na Universidade em agosto, guarda boas lembranças do local. “Foi a minha segunda casa, meus colegas indígenas da Amazônia e dos diferentes territórios do país se tornaram meus irmãos.”

 

Ativista pelo respeito à diversidade e aos direitos humanos, a convidada fez questão de sublinhar a bagagem cultural trazida por todos. “Os estudantes quilombolas, indígenas, as mulheres e os jovens têm sua sabedoria. Ninguém chega neste ambiente despido de conhecimento”, considera. Entendendo o preconceito racial como fronteira a ser superada, Célia encara a pluralidade como elemento essencial no ambiente universitário. “Este lugar precisa ser a casa de todos. A universidade é multicolorida e, para além da ciência, precisa formar a consciência.”

 

Traçando um paralelo com sua própria trajetória de vida, ela destacou que muitos jovens saem de casa pela primeira vez ao ingressar na universidade. “O rompimento com o núcleo familiar não é fácil, mas é possível retomar nossos vínculos”, disse. “Nos momentos difíceis, de pressão acadêmica para cumprimento da carga horária e das atividades, a solução é retornar ao território de origem, reconectar-se com as forças ancestrais”, orientou.

 

PIONEIRISMO Primeira xakriabá a concluir mestrado, Célia também indagou os presentes sobre quais deles eram os primeiros da família a ingressar na universidade. Vários levantaram as mãos. “Isso é muito significativo. Ser o primeiro nos dá a obrigação de não sermos também os últimos”, disse ela, que sabe muito bem o papel de inaugurar feitos no meio de seu povo.

A palestra motivou ainda mais Jeancarlo a se dedicar ao curso de Psicologia. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Para a palestrante, muitos destes jovens estudantes serão questionados durante sua trajetória. Mas seu conselho aos presentes foi para que enfrentem os traumas que possam impedi-los de prosseguir, dando a eles novos significados. “Sempre teremos bônus e ônus em nossa jornada. Pior do que desistir é ver acabar o encanto, a esperança que pulsa nossa vida”, disse. 

 

O estudante de Psicologia Jeancarlo Macgregory considerou a palestra muito impactante. “Apenas minha irmã já cursa uma graduação. Certamente nossa formação vai transformar a história da minha família”, considera.

 

PARTILHA  A ativista indígena estava emocionada com a oportunidade de falar pela primeira vez a um grupo tão plural. Com a expectativa de levar aos estudantes a necessidade de amplificar a universidade para além da formação acadêmica e profissional, Célia propôs aos novos graduandos pensar o fazer epistemológico a partir das relações humanas. “Uma UnB mais humana é construída pelo aperto de mão, pelo abraço. Muitas vezes o corpo adoece, mas carecemos de outro remédio: a convivência social”, indicou.

 

Para destacar o valor do tempo presente e das relações de troca e diálogo, a palestrante contou ao público a história de um líder indígena que conseguiu caçar uma capivara, mas não foi mais aceito pelo seu povo porque congelou o animal. Uma vez congelada, a carne já não poderia ser partilhada da mesma forma. “A escrita e o relacionamento virtual nós podemos guardar no congelador, mas a oralidade e o abraço não”, refletiu, contextualizando a narrativa. 

Estudantes indígenas da Maloca foram prestigiar a palestra da amiga Célia. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Foi com o sentimento de esperança que a estudante de Pedagogia Graziele Vieira deixou o Centro Comunitário após a apresentação da Célia.

 

“É um incentivo a mais para iniciar os estudos e continuar com fé e força de que devemos apoiar uns aos outros, independente das diferenças culturais”, avaliou.

 

A fala da indígena também tocou aqueles que já passaram pela graduação. O chefe de gabinete da Reitoria da UnB, Paulo Cesar Marques, ficou comovido com os relatos e a história de vida de Célia Xakriabá. “O conhecimento se constrói nessa convivência, e muitas vezes a educação eurocêntrica tolhe e nega a riqueza, a diversidade e as histórias dos povos”, reconheceu.

 

Conheça abaixo o poema completo de Célia Xakriabá, que abriu esta matéria:

“Há pouco tempo me perguntaram o que muda com o conhecimento acadêmico
Para responder essa pergunta eu tive um curto tempo
Então veio na cabeça aquela certa opinião
Que eu tenho medo da mudança, eu prefiro transformação
Porque quando nós vamos pro mundo e damos de cara com outra ciência
Mas o importante de tudo é manter nossa essência
Porque aqui tá o perigo que a mudança apresenta
A mudança retira muito, mas a transformação acrescenta
Existe a universidade da vida e a vida na universidade
Estar nesse espaço só tem sentido
se não exterminar a nossa identidade.”

 

 

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