INTERCÂMBIO

Debate no ICC reuniu presenças femininas de países nórdicos e do Brasil. Com mostra de filmes, programação estende-se por três semanas

 

Embaixadas de Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia promoveram espaço de debates Diálogos Nórdicos, sobre os desafios para a equidade de gênero no mundo. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

A Universidade de Brasília recebeu, nesta quarta-feira (13), a rodada de debates Diálogos Nórdicos. Na oportunidade, o público, quase todo composto por mulheres, pôde ter certeza de que as discussões sobre equidade de gênero ainda não esgotaram sequer as mais básicas reivindicações femininas. Dados e experiências trazidas por representantes de países europeus que estão na vanguarda dos avanços nas políticas de igualdade e por pesquisadoras da UnB mostraram que os desafios ainda são grandes.

 

“A inspiração para esse diálogo veio dos dilemas atuais que o Brasil está enfrentando”, introduziu a ministra-conselheira da Embaixada Real da Dinamarca, Laura Nielsen. Como a região nórdica lidera a luta pela equidade de gênero no mundo, ela acredita que a responsabilidade de compartilhar experiências e perspectivas é um dever inerente.

 

Durante a abertura do seminário, a assessora de Assuntos Estratégicos do Gabinete da Reitoria (GRE), Mônica Nogueira, destacou a possibilidade de intercâmbio e cooperação como um dos grandes méritos do evento. “A UnB conta com diversos núcleos e laboratórios de pesquisa dedicados a questões de gênero, assim como muitos coletivos feministas protagonizados pelas estudantes de graduação e pós-graduação. Há uma efervescência na instituição.”

 

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA  “Não há democracia sem a participação pública das mulheres e não há futuro sem a emancipação total das mulheres.” A partir desta afirmação, a embaixadora da Suécia no Brasil, Maria Leissner, resgatou a história e os principais marcos da luta pelos direitos femininos naquele país.

 

As suecas só puderam votar a partir de 1921. Quase três décadas depois, em 1947, uma mulher chegou a ocupar um cargo político no governo. Leissner relatou a proximidade da sua família com a luta por direitos: sua avó fez parte dessa geração que marcou a história. “Essas mulheres participaram do movimento de liberação feminina, que acontecia em várias áreas”, destacou.

Embaixadora da Suécia apresentou dados sobre a evolução da participação feminina na política no país europeu. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Na metade do século XX, apenas 10% dos membros do Congresso sueco eram mulheres; em 1979, eram 25%. Em busca do equilíbrio, ela mencionou a estratégia da lista-zebra, utilizada para forçar partidos a intercalar candidatos homens e mulheres.

 

Mesmo com todas essas conquistas, a embaixadora afirma que ainda há problemas a serem superados, como a desigualdade salarial e o assédio contra as mulheres. Ela citou a campanha #MeToo, empreendida nas redes sociais, em que relatos denunciavam abusos e situações humilhantes sofridas diariamente por mulheres em diferentes contextos.

 

O exemplo da Noruega foi trazido à mesa pela pesquisadora Sigrun Marie Moss, da Universidade de Oslo. Nos últimos anos, vários avanços nas políticas familiares que contribuem para a igualdade de gênero marcaram o país, como a ampliação da licença paternidade para 14 semanas e a reforma do ensino infantil.

 

As maiores dificuldades, segundo Moss, estão nas questões estruturais quanto aos papeis tradicionais: “O número de mulheres na posição de gerência ainda é pequeno e os homens não ocupam postos convencionalmente femininos”. Quando a Noruega implementou uma lei de cotas para participação feminina em cargos de diretoria, a presença delas era de 6%; atualmente, as mulheres ocupam 40% dessas posições.

 

“É preciso entender que a Noruega enfrentou um longo processo, avançando passo após passo”, complementou. Para ela, o caminho para a mudança só é possível com a conciliação entre medidas punitivas – como multas – e outras mais brandas – como campanhas de incentivo à participação feminina.

Por mais mulheres no comando: experiência da Noruega foi apresentada pela pesquisadora Sigrun Marie Moss, da Universidade de Oslo. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

A pesquisadora da UnB Flávia Biroli afirmou que o Brasil vive hoje uma situação complexa e paradoxal, que se constitui em uma barreira à representatividade das mulheres. “Embora a agenda de gênero e debate feminista esteja muito presente no cenário atual, há um processo de reação aos ganhos que a luta feminista vem tendo, especialmente no meio político, ainda majoritariamente masculino”, pontuou. Para ela, o desafio é o fortalecimento do feminismo no país, buscando o engajamento da mulher, especificamente nos partidos políticos.

 

MULHERES NEGRAS Coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Ceam) da Universidade, a professora Renísia Filice enfatizou como a desigualdade de gênero é ainda maior para mulheres negras. De acordo com a docente, a sociedade brasileira vive um racismo patriarcal heteronormativo. “Vivemos uma cultura do sexismo, em que se banalizam as mortes de mulheres negras ou pessoas LGBT e não se discute o privilégio branco, os estereótipos racistas e as práticas de exclusão.”

 

Ela criticou o desmantelamento das políticas sociais, que tem piorado o cenário. Em 1993, cerca de 2% dos cargos executivos de grandes empresas eram ocupados por negros. Dezessete anos depois, em 2010, o número pouco mudou, chegando a 5%. “As ações afirmativas dos últimos anos podem ter movimentado um pouco as conjunturas, mas ainda não conseguiram atingir as estruturas e alterar de modo significativo essa realidade”, avaliou. Comparando com a experiência dos países nórdicos, Renísia apontou que, no Brasil, a luta pelos direitos humanos ainda perpassa uma questão de sobrevivência, uma vez que as mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídios.

 

Trabalhando com questões de gênero há mais de duas décadas, a fundadora da Casa da Mãe Joanna, Joanna Burigo, também participou do encontro. Ela resgatou a história recente do Brasil, quando estudantes secundaristas foram protagonistas de ações de resistência contra o poder patriarcal, em 2016. “Mesmo sendo tão jovens, elas efetivamente conseguiram transformar e concretizar uma série de demandas”, lembrou. Burigo enfatizou que, em um mundo cada vez mais polarizado, é preciso construir pontes entre as gerações.

 

Estudante de Ciências Sociais na UnB, Stephany Raianny assistiu ao debate e contou que se interessa muito pela temática da igualdade de gênero. “É preciso estar discutindo sempre. Quanto mais informação for divulgada, mais condições teremos para enfrentar o problema”, acredita.

 

SOBRE Promovido pelas Embaixadas Nórdicas e pelo Instituto Cultural da Dinamarca (ICD), o projeto Diálogos Nórdicos no Brasil realizou dois painéis de debate no anfiteatro 9 do ICC. O primeiro teve como tema a construção de bases para a igualdade de gênero nos campos político, econômico e social. O segundo focou na contribuição da juventude para o enfrentamento da desigualdade de gênero.

 

A programação também inclui uma mostra nórdica de filmes da diversidade, que ainda terá exibições nos dias 20 e 27 de junho e 4 de julho. As obras serão exibidas no auditório do Instituto de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais (Ipol/Irel), entre 12h e 14h.

 

Entre os dias 11 e 12 de junho, foi realizado o seminário Equidade de Gênero: Representação Política das Mulheres, na Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Na tarde desta quarta-feira (13), o grupo visitou a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados. O debate promovido na UnB contou com apoio da Diretoria da Diversidade do Decanato de Assuntos Comunitários (DIV/DAC).

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