SOBERANIA NUTRICIONAL

Mais da metade do país está em situação de insegurança alimentar, aponta pesquisa apresentada em mesa-redonda nesta quinta (28)

Fernanda Sobral, Nathalie Beghin e Mauro Grossi discutiram resultados de inquérito realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional entre 2021 e 2022. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Parte da programação da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a mesa-redonda Geografia da fome: insegurança alimentar e aumento da fome na pandemia apresentou, nesta quinta-feira (28), dados preocupantes da última pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

 

O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado entre novembro de 2021 e abril de 2022, mostra que mais da metade da população brasileira está em situação de insegurança alimentar, o correspondente a toda a população da França. Desse total, 33 milhões de pessoas estão passando fome. “É o tamanho da população do Peru”, comparou o professor da Faculdade UnB Planaltina (FUP) Mauro Grossi.

 

“Josué de Castro escreveu há muitos anos Geografia da fome, tema tão triste no Brasil de hoje”, disse a professora de Sociologia da UnB e vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, ao apontar as origens das políticas públicas de combate à fome no Brasil.

 

“Como uma das maiores economias produtoras de alimentos do mundo convive com um Peru passando fome e uma França vivendo em insegurança alimentar? Isso é inaceitável. A gente sabe como resolver o problema da fome, já fizemos isso no Brasil, temos conhecimento técnico, quadros capacitados e, se houver vontade política, a gente consegue resolver esse problema grave relativamente em pouco tempo”, disse a economista Nathalie Beghin, do Instituto de Estudos Socioeconômicos. A pesquisadora deu um panorama histórico sobre a fome no Brasil de 1930 aos dias de hoje e mostrou a escalada da fome no país recentemente. “Em 2014, havíamos saído do mapa da fome da ONU [Organização das Nações Unidas]”, apontou.

Nathalie Beghin traçou um panorama sobre a fome no Brasil em nove décadas. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Segundo Nathalie, praticamente toda a rede de proteção alimentar foi desfeita nos últimos quatro anos, ao mesmo tempo em que a política de aumento real do salário mínimo acabou e não foram implementadas medidas robustas de geração de emprego e renda. “Tínhamos programas poderosos de fortalecimento da agricultura familiar com existência de estoque regulador e aquisição de alimentos de pequenos produtores para fornecimento à população mais pobre”, citou.

 

Em sua segunda edição, o inquérito apresentado por Mauro Grossi analisa dados coletados a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e Distrito Federal.

 

“A fome tem rosto e endereço, e se espalhou por todo o país”, disse o professor. O relatório aponta que lares chefiados por mulheres pretas e pardas com baixa ou nenhuma escolaridade e crianças até dez anos de idade têm maior probabilidade de estarem passando fome. A pesquisa também mostra que a fome é, paradoxalmente, maior no campo por motivos como o desmonte das políticas públicas direcionadas a pequenos produtores rurais e aos efeitos da pandemia, fato que agravou o quadro.

 

O professor explicou que a insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. Ela pode ser leve, moderada ou grave. Leve quando há incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida. Moderada quando a quantidade de alimentos é insuficiente. E grave quando há privação no consumo de alimentos e fome.

 

Mauro contou que houve uma onda de endividamento e há casos de pessoas vendendo seus instrumentos de trabalho para comprar comida. Algumas famílias estão substituindo alimentos caros por outros mais baratos ou pulando refeições. Há, inclusive, pessoas deixando de aceitar doações de alimentos porque não têm mais dinheiro para comprar o gás ou estão sem acesso à agua. “Qual o efeito disso na saúde?”, questionou.

 

“Quando o ser humano sobrevive à fome, as marcas ficam. Para que o cérebro funcione bem é preciso uma nutrição adequada no início da vida”, disse o médico e professor da Universidade Federal de Pernambuco Rubem Guedes, sob o olhar da neurociência.

 

O pesquisador da Embrapa Sílvio Crestana destacou que a segurança alimentar é uma das condições necessárias para se garantir a soberania de um país, ao lado da segurança energética, territorial, em saúde e cibernética. “É incrível estarmos passando por uma situação dessas enquanto o homem viaja ao espaço. Este é o momento de fazer um raio-x no país para pensarmos onde estão os grandes problemas e quais as soluções. O país que perde a segurança alimentar não tem soberania. Ele passa a depender de outro país. É vergonhoso para um país ter fome.”

 

>> Confira aqui a pesquisa completa

 

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