O Brasil está oficialmente à mesa das principais discussões internacionais sobre o Ártico. Uma comitiva nacional com a presença de três pesquisadores da Universidade de Brasília participou em outubro do Artic Circle Assembly (ACA) em Reiquiavique, na Islândia. É a primeira vez que um grupo brasileiro integra o encontro, que reúne líderes globais, cientistas, ambientalistas e representantes de povos originários da região.
O futuro da área mais setentrional da Terra esteve no cerne da programação do encontro. Desafios nos campos das mudanças climáticas, da geopolítica, da preservação e da economia fizeram parte das apresentações e debates. Segundo a organização, mais de 2,5 mil pessoas participaram e mais de 700 tiveram momentos de fala. O ponto alto da presença brasileira ocorreu em painel específico que pode ser traduzido como Brasil: um país polar.
“O que acontece no Ártico afeta o planeta inteiro. Nós somos parte disso”, destaca o professor do Departamento de Botânica (BOT/IB) Paulo Câmara. Ao lado de sua colega de departamento Micheline Carvalho Silva e da professora do Instituto de Relações Internacionais (Irel) Ana Flávia Barros-Platiau, ele representou a UnB no encontro na Islândia. “Temos 43 anos de experiência polar e podemos ajudar no que acontece no Ártico”, lembra o docente em referência ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar), fundado em 1982 e reforçado desde a década passada pela presença do grupo de pesquisa de Câmara.
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O professor ressalta que cerca de 7% do território brasileiro está no hemisfério norte, incluindo região urbanas como Boa Vista (RR) e parte de Macapá (AP). Essas áreas e a porção sul do país estão suscetíveis ao que pode vir a acontecer no Ártico. “Se, por exemplo, a água doce congelada na Groenlândia cair no mar, vai afetar a salinidade, as correntes marinhas, os peixes, a pesca e a temperatura da água. Pode levar o planeta até mesmo a uma glaciação”, explica o docente acerca dos riscos do derretimento do gelo no Ártico.
“O Brasil falou de igual para igual com as grandes nações do mundo em temas relevantes”, avalia o professor. Ele informa que a participação nacional se deu a convite do ex-presidente da Islândia Ólafur Ragnar Grimsson, fundador do Artic Circle Assembly. O interesse na participação veio após a primeira expedição oficial do Brasil no Ártico, realizada em 2023 com a presença de Câmara e de Micheline Carvalho Silva.
Além dos pesquisadores da UnB, estiveram na comitiva brasileira os professores Jefferson Simões, pioneiro em estudos sobre glaciologia e titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Leonardo Faria de Mattos, da cadeira de geopolítica da Escola de Guerra Naval (EGN); e Sílvia Dotta, coordenadora do Programa Interantar e docente na Universidade Federal do ABC (UFABC). A cônsul honorária do Brasil em Stavanger, na Noruega, Celma Hellebust, também integrou o grupo.
RELAÇÕES INTERNACIONAIS – A docente Ana Flávia Barros-Platiau analisa que “o Brasil entrou no jogo polar para ficar”. Para ela, o peso simbólico da primeira participação nacional no ACA é grande em função da abertura de uma mesa exclusiva para o país. “O Brasil tem um perfil sui generis de país megabiodiverso. Temos que acompanhar de perto processos como deglaciating land e deicing sea”, alerta, sobre os fenômenos relacionados ao degelo do mar e da terra em regiões árticas.
Classificando a presença do Brasil como “extremamente importante”, Ana Flávia diz que há necessidade de ampliar as pesquisas nacionais sobre temas que estão no centro da agenda diplomática global. “As dimensões econômicas e comerciais, humanas e de segurança para o futuro também precisam ser mais exploradas. A diplomacia brasileira tem trabalhado com afinco no tema, e temos dialogado muito nos últimos anos. É um processo de troca de visões e conclusões que fortalece o país porque todos nós aprendemos”, afirma.
Com notável participação em debates relacionados a mudanças climáticas, a professora esteve presente na Cúpula Polar sediada na França, em 2023. Em novembro, Barros-Platiau participa de debate sobre a agenda dos Brics no âmbito da cooperação polar internacional. As discussões fazem parte da programação da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP29, no Azerbaijão.
O OUTRO POLO – O olhar mais atento ao que acontece no Ártico não retirou a atenção sobre o que ocorre no outro polo. Paulo Câmara embarcou, na última semana de outubro, rumo a mais uma expedição na Antártica com participação da UnB, e Micheline Carvalho Silva segue com atividades de laboratório em diálogo com estudantes que também estiveram há pouco no mais frio dos continentes.
Além disso, pesquisadores da Universidade de Brasília estarão presentes na que é apontada como a maior circum-navegação científica na Antártica. A expedição de 60 dias começa no fim de novembro e deve percorrer mais de 20 mil km em busca da aproximação máxima das frentes das geleiras. A missão envolve cientistas de sete países e vai ser liderada pela UFRGS.
O professor Paulo Câmara informa que há 29 projetos de pesquisa ativos no âmbito do Proantar. A seleção dos projetos é feita pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o financiamento fica a cargo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os investimentos nesses estudos são apontados como indispensáveis pelo docente da UnB.
“Se esses polos entrarem em colapso, isso pode representar o fim de muita coisa, inclusive da vida como a conhecemos”, alerta Câmara. Ele ressalta que o Brasil é o sétimo país mais próximo da Antártica e é diretamente afetado pelas transformações daquele continente. “Estamos falando de uma área de 14 milhões de km². Não podemos fazer de conta que ela não existe”, diz o pesquisador que aponta a região como “o maior regulador climático” e “o último reservatório de tudo no planeta”.