
Quem circula pelo maior campus da Universidade de Brasília, na Asa Norte, já reparou: o Darcy Ribeiro ganhou um colorido especial após 12 paradas de ônibus serem transformadas em obras de arte a céu aberto. A iniciativa é resultado do projeto Grafite no campus: lazer e direito à cidade, que contou com a participação de quatro professores, 13 estudantes e 21 artistas urbanos do Distrito Federal e do entorno.
O projeto teve início no primeiro semestre de 2024, na disciplina Projeto Integrador em Turismo I, do Centro de Excelência em Turismo (CET). Os docentes Anastasiya Golets (CDS) e Manoel Palhano conseguiram extrapolar os limites da sala de aula e o trabalho resultou em obras que exploram uma diversidade de técnicas como graffiti, aquarela e lambes.
Mas o que a arte urbana tem a ver com o turismo? Segundo Anastasiya, este é um dos soft powers brasileiros mais famosos e valorizados no exterior, ou seja, é uma forma eficaz de promover o prestígio nacional lá fora. A professora, que é natural da Bielorrússia, afirma que os artistas brasileiros de arte urbana são considerados os melhores. “As galerias de arte urbana a céu aberto, os festivais, eventos e circuitos artísticos que existem em diversas cidades estão se tornando cada vez mais populares”, comenta a professora.
Com o objetivo de celebrar a diversidade cultural, as obras espalhadas pelo campus propõem uma reflexão sobre temas como acesso ao lazer, direito à cidade, mulheres refugiadas e povos indígenas. “Os artistas retrataram práticas de lazer cotidianas, como skate e observação de pássaros, ou ainda a mobilidade urbana e o ingresso dos alunos 60+, tudo conectado com o tema Lazer e Direito à Cidade”, salienta Manoel Palhano.
“Demos liberdade aos alunos e eles propuseram a temática, fizeram a curadoria, escolha de rascunhos e formato, mesmo sem experiência”, conta Anastasiya. A ideia era fazer uma exposição de arte urbana, mas a greve que se estendeu de março a junho de 2024 na Universidade mudou os planos. “Após uma conversa, a Prefeitura do Campus (PRC) nos disponibilizou as paradas de ônibus, todas as autorizações necessárias, a limpeza, a remoção de cartazes e a pintura de fundo branco para receber a arte”, detalha Palhano.

TALENTO – A segunda parte do projeto foi tirá-lo do papel e contou com ainda mais esforços e parcerias. Para dar vida ao projeto, estudantes buscaram coletivos e artistas solo de diferentes gerações e regiões administrativas, com destaque para representantes das periferias, incluindo alunos e egressos de Artes Visuais, Arquitetura e Urbanismo, Física, Matemática, Sociologia, Teoria Crítica e História da Arte.
No total, houve a participação de 21 artistas, entre eles: Baldez, Caburé, Flip, Jedi, Kustela, Line, Mão, Musgo, Ozé, Pato, Scorpia, Tainha, Jahsa, Letras do Quadrado, Sinley e de duas crews, ou coletivos de grafite: Ocupa Becos e Irmãos Graffiti. Os desenhos foram selecionados pela adequação ao tema e a participação dos artistas foi voluntária.
Para Júlia Magnoni, estudante de Comunicação e aluna da disciplina do CET, o projeto foi uma experiência enriquecedora, permitindo-lhes “desenvolver habilidades na escrita de projetos e compreender melhor o papel da comunicação na valorização da arte urbana”. Além de trazer mais visibilidade para os artistas e seus trabalhos, para ela, o projeto é relevante por incentivar que essa prática esteja cada vez mais presente na Universidade.
Já Nanda Kalm, artista negra do coletivo Irmãos Graffiti, do Itapoã, e estudante de Artes Visuais na UnB, destaca que participar da ação “reforçou o pertencimento periférico, representando aqueles que não estudam na UnB e permitindo que pessoas de diferentes contextos tenham acesso a essas expressões artísticas legítimas”.

A sensação de pertencimento também foi um dos aspectos mais marcantes para Jediael Lucas, formando em Ciências Sociais e aprovado no mestrado em Sociologia, que retratou em sua obra a relação entre Ceilândia e a UnB. “A periferia é reduzida a estereótipos, mas tem uma cultura forte como a do hip-hop. Meu desenho fala sobre o deslocamento dos jovens periféricos e da ausência da nossa cultura no ambiente acadêmico”, explica.
As obras também trazem reflexões sobre identidade, diversidade e pertencimento, como a produzida pela artista Tainha, egressa de Arquitetura e Urbanismo, que grafitou uma mulher refugiada na Colina. “Como pessoa indígena bissexual de vários cantos, não me via presente na cidade. Para mim, rostos espalhados pela cidade tornam o caminho menos hostil. A arte urbana celebra as vozes silenciadas de quem está à margem”, reflete.
APOIO – Além da PRC, o projeto contou com apoio da Secretaria de Comunicação (Secom), que avalia elementos visuais do campus, e do Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), que cuida do patrimônio construído da UnB. O Instituto de Geociências (IG), via empresa-júnior Phygeo, fez a doação das tintas e materiais.
As obras de arte nas paradas foram envernizadas, o que garante sua maior preservação. Serão instalados na parte traseira das paradas lambes com a ficha técnica e o mapa de todas as paradas grafitadas, impressos pelo Decanato de Extensão (DEX). Já o Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) apoiou com alimentação para os artistas no Restaurante Universitário (RU).
Para a professora Anastasiya Golets, o projeto reforça a recente aprovação da Lei n. 14.996/2024, que reconhece o grafite como manifestação cultural e fortalece sua preservação. “A arte urbana sempre esteve presente na UnB, mas este projeto, pela sua escala e formato, trouxe um impacto significativo. As cores transformaram o campus, gerando identificação e tornando o ambiente mais leve. Foi um primeiro passo e esperamos que iniciativas futuras possam garantir reconhecimento e remuneração aos artistas envolvidos”, conclui.
Confira a localização das paradas grafitadas:
Colina
BCE e lado oposto
Reitoria e lado oposto
Pavilhões (oposto ICC Norte)
ICC Norte (oposto pavilhões)
ICC Sul (oposto BSAS)
ICC Sul (oposto IB)
Pavilhão Multiuso I (oposto ICC Sul)
SG 09 (oposto FE)
EFL (oposto Posto Ecológico)