Rastros do novo coronavírus (Sars-Cov2) podem ser encontrados em locais pouco prováveis. Estudos já apontam a presença de partículas do vírus em dejetos humanos três dias após a infecção de um indivíduo. Quando eliminados, esses excrementos vão parar nas estações de tratamento de esgoto (ETEs) das regiões. E é por meio da análise do esgoto sanitário que pesquisadores da UnB pretendem monitorar o avanço da pandemia no Distrito Federal.
O trabalho será desempenhado em parceria com a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e prevê a coleta de amostras das águas residuárias de ETEs em regiões administrativas da capital federal com diferentes aspectos econômicos e culturais. O material passará por análises que permitirão quantificar os fragmentos genéticos do vírus causador da Covid-19.
Esse é um instrumento que pode contribuir para as estimativas das curvas de contágio comunitário durante a evolução da epidemia, em diferentes pontos da cidade, e para antever o surgimento de novos surtos e focos emergentes, após a redução significativa das infecções. Segundo Fernando Sodré, professor do Instituto de Química (IQ/UnB) e um dos responsáveis pela pesquisa, a perspectiva é de oferecer aos gestores públicos uma ferramenta inovadora para auxiliá-los a delinear medidas de controle da epidemia, de forma complementar às estratégias de vigilância em saúde.
"As análises, nesse sentido, poderão servir para construir um sistema de alerta para identificar o aumento da carga viral, preparando os órgãos de controle para tomar as precauções necessárias o quanto antes”, anseia o docente. As informações levantadas poderão ser comparadas a outros dados oficiais sobre a dispersão do novo coronavírus. Será possível identificar até mesmo a disseminação do vírus por pacientes assintomáticos, muitas vezes não submetidos a testes para diagnóstico da Covid-19 e, por isso, não incluídos entre os casos notificados.
Por proporcionar o alcance dos resultados com agilidade, o pesquisadore acredita que a estratégia tenha maior impacto do que outros métodos para estimar as infecções pela Covid-19. “Até o momento, os poucos trabalhos publicados sobre o assunto mostraram que as curvas de contágio apontadas pela análise do esgoto acompanham muito precisamente as curvas de letalidade e de contaminação em países que realizam muitos testes”, explica o professor Fernando Sodré.
Outra vantagem é a economia gerada no monitoramento da propagação do vírus, já que a alternativa teria, a princípio, menor custo do que os testes clínicos, ainda pouco realizados no Brasil. A ideia dos especialistas da UnB é ampliar a divulgação da técnica para que outros grupos de pesquisa possam adotá-la no acompanhamento das tendências da Covid-19 em diferentes partes do país, o que já ocorre em cidades como Contagem (MG), Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ).
APLICAÇÃO – Há dez anos, o mesmo método, conhecido como epidemiologia do esgoto – termo traduzido do inglês Wastewater-based Epidemiology (WBE) –, vem sendo utilizado por pesquisadores do IQ, junto a instituições científicas e policiais, para avaliar a exposição de populações a drogas ilícitas e seus padrões de consumo, em tempo quase-real. A ferramenta também tem sido ajustada para auxiliar na análise da contaminação de pessoas por pesticidas, produtos químicos e doenças infecciosas, além da identificação de padrões alimentares.
A implementação da técnica no combate à Covid-19 no DF envolverá, inicialmente, a investigação de oito ETEs que, juntas, atendem à 70% da população da capital federal. Novas estações podem ser incluídas na pesquisa eventualmente. Amostras compostas – representativas do período de 24h – serão coletadas pelos pesquisadores a cada semana, por 18 meses. Ao longo do período, o número de estações analisadas será reduzido, conforme haja maior controle da doença, e algumas servirão de sentinela para a identificação de novos surtos.
Por enquanto, não há indícios de risco de contaminação da população e proliferação do vírus pelo esgoto. Fernando Sodré pondera que as partículas do vírus encontradas nas águas residuárias são consideradas inviáveis, ou seja, aquelas que, devido às condições adversas do ambiente, tiveram o envelope viral – membrana de gordura que mantém sua estrutura – desfeito e se tornaram, portanto, inativas.
“O esgoto é um meio onde dificilmente a membrana que envolve o vírus deve se manter estável”, afirma. Ainda assim, todos os protocolos de saúde serão observados para que as coletas sejam feitas com segurança para os pesquisadores.
O Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia (FT) participará da iniciativa e disponibilizará o Laboratório de Saneamento Ambiental para efetuar as análises. O alvo dos pesquisadores são os fragmentos de RNA característicos do sequenciamento genético do Sars-Cov2, que serão identificados com o uso da técnica RT-PCR, comumente adotada na detecção do novo coronavírus.
A professora da FT Celia Cristina Brandão também está na coordenação do projeto e explica que, embora as análises não permitam identificar o número de infectados por região, é possível dimensionar o crescimento de casos. A docente detalha o modo como é feita a projeção: “De forma qualitativa, se, de uma semana para outra, aumentar o número de fragmentos do Sars-CoV2 por litro de esgoto que chega àquela estação de tratamento, pode-se dizer que houve aumento do número de pessoas que estão contaminadas com o vírus naquela região”.
Em contrapartida, Celia Cristina Brandão afirma que outros dados mais refinados podem dar suporte para se chegar a estimativa dos indivíduos com a doença. É o caso de informações sobre a população atendida por cada ETE monitorada; sobre a presença de hospitais na região que recebem pacientes com suspeita de Covid-19; e sobre a contribuição de fragmentos virais nas fezes de cada pessoa infectada.
No momento, o projeto está em fase de prospecção de recursos financeiros e aquisição de reagentes para, então, ser iniciado. A pesquisa foi aprovada em chamada pública de ações para enfrentamento da Covid-19 lançada pelo Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI) e o Decanato de Extensão (DEX), juntamente com o Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à Covid-19 da Universidade da Brasília (Copei). A iniciativa também foi submetida a editais de fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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