PRODUTO

Inovação foi apresentada ao público em evento na quinta, 14. Ainda em testes, tecnologia utiliza látex natural com substituição da amônia, considerada tóxica, por tanino na produção

De látex natural e sem substâncias tóxicas na produção do material. Inovação do Projeto Latéx-Tan, coordenado pelo professor Floriano Pastore, cria uma luva hipoalergênica, solução que beneficiará, sobretudo, os profissionais de saúde. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


Uma luva cirúrgica com tecnologia inovadora, hipoalergênica, desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Brasília. Este é o resultado do Projeto Látex-Tan, coordenado pelo professor Floriano Pastore, do Instituto de Química (IQ), e apresentado à sociedade em evento na última quinta-feira, 14, no auditório Lauro Morhy da unidade. Diferente de outras luvas disponíveis no mercado, o produto não é produzido com uso de amônia, um forte componente químico utilizado na estabilização do látex natural após a sua extração.

O produto foi concebido a partir de pesquisas iniciadas no doutorado do professor Pastore, em 2013, que inovou a partir da proposição do uso do tanino vegetal, ao invés da amônia, no tratamento do látex natural da borracha.

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De lá para cá, outras pesquisas de mestrado e doutorado contribuíram para o avanço do projeto e produção das luvas, a partir de parceria com a Tanac, empresa produtora de extratos vegetais, a Faculdade de Medicina (FM), o Hospital Universitário de Brasília (HUB) e o Laboratório de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisas e Recursos Genéticos da Embrapa, além do apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).

O aditivo de tanino adotado no processo foi patenteado pela UnB no Brasil, na Indonésia e na Índia. “Nós percebemos que o látex se degrada com extrema rapidez. E o látex que a gente estava tratando com tanino não estava apodrecendo”, afirmou o professor Pastore.

Segundo ele, a solução resolve duas problemáticas que se mostram aos pesquisadores há mais de cinco décadas: a da alergenicidade e a do uso da amônia. Além de ser uma substância natural que atua com mais eficiência que amônia na proteção das proteínas do látex responsáveis por desencadear alergias, o tanino é um aditivo mais sustentável e seguro para uso entre trabalhadores nos seringais, plantações de onde é extraída a borracha natural.

“O tanino cumpre essa função de proteger as proteínas, que não ficam mais disponíveis para as bactérias. E eu pensei: por que não fazer isso para que as proteínas estejam menos disponíveis para as reações alérgicas?”, comentou. “O látex é um meio muito rico para ter proteína alergênicas. São 200 proteínas no látex e 15 dessas proteínas são alergênicas”, apontou o docente ao lembrar que as alergias podem ter consequências mais graves.

Ele destacou que, no mundo, entre 4,3% da população em geral e 72% de grupos específicos podem ter alergias associadas ao látex. Na área da saúde, esse número aumenta para dez a 15% dos profissionais.

Sobre a amônia, ele alertou quanto ao risco de danos, como cegueira, para os trabalhadores na extração do látex. “Amônia é conservante universal do látex há mais de cem anos. Quem trabalha todos os dias com amônia vai ter problemas. Ela entra pela corrente sanguínea, entra facilmente na célula e começa a fazer seu trabalho de degradação cumulativa da célula”, explicou.

Diretor do IQ, Marcos Juliano Prauchner, decana de Extensão, Olgamir Amancia, e coordenador do Látex-Tan, Floriano Pastore, abriram o evento de apresentação do projeto. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


EXPERIMENTOS – O professor frisou que já há algumas evidências quanto ao efeito hipoalergênico do látex com o uso do tanino, mas que os testes em humanos ainda estão em curso. Experimentos foram feitos, em uma fase inicial da pesquisa, nos Estados Unidos e na Inglaterra, já com indicativos positivos, além de no Brasil, em um instituto de pesquisa científica em Campinas. Neste último, os testes em 50 voluntários apontaram que nenhum teve alergia ao produto.

Uma pesquisa de mestrado, em andamento no Programa de Pós-Graduação em Química, também prevê a realização de testes em humanos das luvas cirúrgicas produzidas a partir do látex tratado com tanino. À frente do estudo, a estudante Nathália Shinzato explicou como se dará o experimento, que ocorrerá no Laboratório de Dermatologia do HUB.

“A gente faz por meio do teste de contato ou o patch test, que é aquele teste que é feito em clínicas de alergia. É colocar o material em contato com a pele de um voluntário e verificar clinicamente, visualmente e em coletas de sangue. A gente realiza as coletas para ver se tem alguma reação adversa no sangue”, detalhou ela, que compõe grupo de 14 pesquisadores envolvidos no Látex-Tan.

No momento, o projeto busca voluntários para participar dos testes em 2024. É possível sinalizar interesse a partir do preenchimento deste formulário on-line. Os voluntários serão escolhidos com base em alguns critérios, como já saber se é alérgico ou não. Mais informações serão compartilhadas em um grupo de WhatsApp.

Presente no evento de apresentação do projeto, a decana de Extensão, Olgamir Amancia, parabenizou o professor Pastore pelas contribuições legadas à sociedade a partir de suas pesquisas. “Como instituição pública, o saber tem que ser engajado, o saber tem que ser para dar resposta, o saber tem que ser para transformar a realidade e melhorar a vida do nosso povo”, disse. E completou: “Quero comemorar em nome da UnB as suas pesquisas, esta pesquisa que é engajada, que usa essa janela que a extensão oportuniza para que a Universidade dialogue com a sociedade”.

 

DA PESQUISA À PRODUÇÃO – Uma micro fábrica foi instalada num galpão do Laboratório de Tecnologias de Borracha para a Amazônia (Tecbor), ao lado do Hospital Veterinário da UnB, para a confecção de luvas de látex com proteção do tanino, o que favorece os testes em escala industrial. Os convidados do evento puderam conhecer o espaço e acompanhar uma demonstração da fabricação.

Ali, são feitas todas as etapas de produção. Primeiramente, moldes de porcelana no formato de mãos recebem um banho de coagulante; em seguida, vão para a secagem e são imersos em um grande recipiente com o látex. O acabamento das bainhas é feito manualmente para que finalmente o produto vá para secagem, ainda nos moldes, numa estufa com temperatura de 110°C. A finalização se dá com a retirada do produto da estufa e passagem do talco para que sejam desinformados dos moldes. Um último teste verifica se não há furos nas luvas.

Mestranda em Química Krysten Costa faz teste na luva de látex natural produzida em galpão do Tecbor. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


As luvas já produzidas estão sendo destinadas ao Hospital Universitário para experimentação entre os profissionais e adaptação ao produto. Há, no entanto, perspectiva de ampliar a confecção para uso mais amplo após os testes clínicos, como explica a mestranda em Química e integrante do Látex-Tan Krysten Costa, que também tem contribuído no processo de fabricação.

“No momento, ela ainda não está disponível ao público porque a gente ainda está realizando alguns testes científicos, físicos e químicos, mas a ideia é que a partir do ano que vem já esteja disponível para outros hospitais públicos e, quem sabe, seja comercializada em larga escala”, disse.

Para obter a matéria-prima necessária, o projeto também firmou parceria com duas fazendas de seringais: uma em Cidade Ocidental, Goiás, e outra no município de Planalto, São Paulo. Três toneladas de látex com adição de tanino já foram produzidas nestes locais para uso nas pesquisas.

José Ricardo da Silva é proprietário da Fazenda Maíra, em Goiás, que produz o látex de maneira tradicional, e projetou o impacto positivo da parceria firmada com o Látex-Tan.

“O objetivo nosso com essa parceria com a UnB, que já tem dois anos, é que enxergando o trabalho de pesquisa que se vem fazendo e o estágio dessa pesquisa, e acompanhando esses dados, a gente viu uma possibilidade de agregar valor ao produto da fazenda com essas novas técnicas, que na verdade não são só novas técnicas, são o desenvolvimento de um novo produto que atende a duas necessidades do mercado fantásticas”, aponta o fazendeiro sobre a redução de alergias e a substituição da amônia como anticoagulante.

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