“Somos todos – mulheres, homens – seres ‘situados e datados’. Vale dizer históricos. Por isso, não podemos ignorar o momento de crise profunda que o Brasil atravessa.” Assim discursou o professor emérito da UnB Venício Artur de Lima, agraciado, nesta terça-feira (10), com o título que é a maior honraria que um docente pode receber da Universidade como reconhecimento por sua trajetória.
A fala serviu para ilustrar o contexto em que se deu a cerimônia de emérito e acabou por estabelecer um elo com a história de Venício. Admitido em 1971 como professor colaborador da Faculdade de Comunicação (FAC), o docente teve seu caminho marcado pela luta em defesa da liberdade de expressão e buscou ser reconhecido por isso.
“A UnB exercia uma atração especial em muitos de minha geração com um projeto de ‘universidade necessária’, comprometida com a transformação da sociedade”, explica, sobre a ideia de vir para a UnB. Durante os anos em que trabalhou na FAC, foi atuante na defesa da importância das políticas de comunicação e de sua relevância para a opção de desenvolvimento a ser seguida no país.
Juntamente com Ubirajara da Silva, assumiu o comando do então Departamento de Comunicação entre os anos de 1974 e 1976. Em meio à ditadura militar, o professor tentou a quase impossível mediação entre reitoria e alunos, sempre muito atuantes na defesa da liberdade do movimento estudantil. “A cada edição do jornal laboratório Campus, enfrentávamos a interferência direta da administração da Universidade, que sempre nos advertia sobre a responsabilidade de controlar o conteúdo publicado”, lembra.
Como um dos resultados do histórico de defensor da liberdade de expressão, Venício conta que recebeu, por meio de um oficial de justiça, a notificação de que seu contrato de trabalho com a UnB fora suspenso em processo de demissão por justa causa. O argumento formal foi que a assessoria prestada na redação de discursos do sogro, Humberto Lucena, senador à época, feria a cláusula de dedicação exclusiva.
Apesar dos três anos que passou oficialmente afastado da UnB, Artur de Lima foi paraninfo e patrono de diversas turmas, além de ter fundado o Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, juntamente com outros colegas.
Em 1985, a suspensão de seu contrato de trabalho foi revista e ele retornou à FAC, onde permaneceu até o final da década de 1980, quando foi transferido para a Ciência Política, onde trabalhou a perspectiva da relação entre mídia e política. Permaneceu como docente da UnB até metade da década de 1990, quando a ameaça de uma reforma previdenciária o conduziu à aposentadoria.
HOMENAGENS – O orador da cerimônia foi o professor da FAC Wagner Rizzo, que trouxe, além do relato de sua experiência enquanto ex-aluno de Venício, depoimentos de amigos, colegas e familiares do homenageado.
“A você, Bolinha” – apelido dado por um colega de república à época da universidade – “devolvo a dedicatória que um dia me fez, uma vez que falar de sua trajetória é difícil para mim, com tanta economia de espaço”, disse a amiga e também professora emérita da UnB, Maria Stella Grossi Porto.
“Seus trabalhos sempre tiveram a preocupação de referenciar a Universidade de Brasília”, destacou o amigo e ex-aluno Hermano de Matos. “Seus trabalhos mais recentes apontam para a consolidação da democracia e dos direitos humanos. Em tempos sombrios, essa escolha não é apenas sábia. É imperiosa e indispensável para todos nós”, completou.
A reitora Márcia Abrahão salientou a importância da manutenção da cerimônia em um dia marcado por protestos sobre o déficit de orçamento da UnB no Ministério da Educação. “A Universidade não está descolada do que acontece na sociedade e, ao mesmo tempo, respeita sua história. É importante que a comunidade se veja inspirada pelo trabalho do professor Venício”, defendeu.