Estudantes de vários semestres do curso de Enfermagem da Universidade de Brasília (UnB) estão entrevistando enfermeiros que atuam no combate à covid-19 em todo o país. Orientados pela professora Mariana Franzoi, da Faculdade de Ciências da Saúde (FS), eles já falaram com 36 profissionais para saber as mudanças e os desafios que têm enfrentado no cotidiano, além do impacto da pandemia em suas vidas. A ação faz parte do projeto Enfermeir@s Incríveis na linha de frente da pandemia de covid-19, que busca valorizar a atuação desses trabalhadores neste contexto de avanço da covid-19.
A iniciativa já conta com vídeos no Youtube e áudios no Spotify dos depoimentos coletados. “Queremos desconstruir essa imagem do herói. Muitos enfermeiros estão vulneráveis, muitos profissionais foram infectados e faleceram. Queremos mostrar o lado humano, que eles têm desafios e medos e que eles devem ser valorizados pelo que fazem”, diz a professora Mariana Franzoi, coordenadora do projeto.
Mariana conta que a ação nasceu da adaptação de outro projeto de extensão, o Mentoria Estudantil em Enfermagem, por conta da pandemia, e para os estudantes nos primeiros semestres do curso de Enfermagem essa tornou-se a única atividade vinculada à UnB enquanto o calendário acadêmico está pausado. O Enfermeir@s Incríveis tem o intuito de documentar e mostrar como é o dia a dia na profissão, além de dar apoio a quem está iniciando os estudos no âmbito.
Entre os entrevistados, há enfermeiros de diversas áreas: atenção básica, vigilância de saúde, cardiologia, saúde mental, oncologia, obstetrícia, unidade de terapia intensiva, emergência e trauma, gestão de políticas públicas, home care, sistema prisional e também da fiscalização do exercício profissional. Nos vídeos gravados, eles também dão recomendações aos estudantes e à comunidade em geral sobre a prevenção à covid-19. O material está disponível na página e no blog do projeto.
Além disso, a iniciativa promove mensalmente um webinário, o Vida de Enfermeir@s Incríveis, no qual os profissionais têm espaço para contar sua trajetória na área. "Nós já tínhamos planejado esta iniciativa desde o ano passado para estrear com a nossa plataforma e a pandemia só veio acelerar o processo", conta Mariana Franzoi, que irá defender tese de doutorado sobre o desenvolvimento da plataforma, inicialmente destinada à mentoria de estudantes de Enfermagem.
Até agora, as postagens no blog do projeto obtiveram por volta de 160 comentários de leitores, em sua maioria estudantes. Doze diálogos com enfermeiros foram divulgados por meio de podcasts publicados na plataforma Anchor e Spotify e reproduzidos mais de 240 vezes pelo público. Além disso, seis outros diálogos feitos em formato de vídeos tiveram aproximadamente 1.400 visualizações.
Neste mês de julho, a iniciativa Enfermeir@s Incríveis na linha de frente da pandemia de covid-19 ganhou projeção ao ser apresentada no Simpósio de Ensino e Enfermagem pela discente e uma das integrantes Nathálya Silveira. O evento promovido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) concedeu menção honrosa à estudante pelo trabalho.
"Eu me sinto muito honrada em participar dessa iniciativa. Acredito que ela contribui para a valorização da nossa profissão e também para o reconhecimento do trabalho do profissional enfermeiro. Entrevistar os enfermeiros da linha de frente do combate à covid-19 me motiva a seguir estudando e a promover a função desempenhada por eles”, diz Nathálya Silveira.
DEPOIMENTOS – Enfermeiros podem contribuir com a iniciativa Enfermeir@s Incríveis concedendo entrevistas. Os interessados devem enviar e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. É possível acessar todo o material produzido pelos estudantes no site do projeto, Spotify e canal no YouTube.
Confira alguns trechos das entrevistas realizadas com profissionais da saúde:
Marina Paiva, enfermeira e professora de curso técnico de Enfermagem
"Com uma casa que tem dois enfermeiros, o impacto na vida pessoal não poderia ser pequeno. Nós temos a preocupação: quem vai ser acometido primeiro? Se vamos adoecer de uma vez, quem vai cuidar um do outro? Nós temos uma filha de quatro meses e pensamos: se nós dois adoecermos ao mesmo instante, quem cuidará dela?”.
Para ouvir a entrevista completa, clique aqui.
Marcos Wesley de Sousa Feitosa, presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (CRE-DF) e chefe de Enfermagem da emergência da Câmara dos Deputados.
"Em relação à Câmara dos Deputados, fizemos um protocolo interno logo no início dos casos e mudamos o fluxo de atendimento, com direcionamento para pacientes sintomáticos respiratórios. Na vida pessoal, senti mais em relação ao contato que eu tinha com a minha mãe, faz mais de 60 dias que eu não a vejo. Mas, quando escolhemos a Enfermagem, sabemos que trabalhar com pacientes com doenças infectocontagiosas faz parte da nossa rotina.”
Para assistir entrevista completa, clique aqui.
Maria Angélica Paiva, professora da Faculdade de Tecnologia do Vale do Ivaí (Fatec), em Ivaiporã (PR), e de curso técnico em Enfermagem no Paraná. Atua no Centro de Triagem de Coronavírus na cidade de Ivaiporã.
"Como Ivaiporã é uma cidade pequena, a demanda continua ainda tranquila, embora quando existe alguma suspeita, a cidade inteira fica em pânico. Então percebo que a gente está atendendo também, além de alguns sinais e sintomas de covid, crises de ansiedade. Por ser uma cidade pequena, temos um bom estoque de EPIs [equipamentos de proteção individual]. A pandemia afetou a rotina da minha casa, tenho um filho pequeno de dois anos e quatro meses – ainda o amamento. Quando chego do serviço, não o vejo, não posso abraçá-lo, vou direto para o banheiro tomar um banho, realizar a limpeza necessária. Não estou acompanhando a rotina do meu filho, igual acompanhava antes. Além disso, estou longe dos meus pais, não posso vê-los".
Para ouvir a entrevista completa, clique aqui.
Estéfane Câmara, enfermeira residente da Fiocruz na Unidade Básica de Saúde nº 02 do Riacho Fundo I (DF).
"O caos na saúde não começou na covid-19
Começou há muito tempo atrás
Quando por ambição das grandes empresas
Escolheram que o dinheiro é mais importante que vidas a mais
Ser enfermeira no meio do caos é sentir aperto no coração
Acordar pensando que tudo podia ser um pesadelo
Mas não
É se dirigir para o chuveiro e ao invés de cantar
Lembrar da fala:
- “E daí? Não sou coveiro”
É se olhar no espelho
Encarar o medo, enfrentar mais um etapa
E suplicar a Deus que eu possa abraçar meu filho quando chegar em casa
Ser enfermeira é abdicar de estar com a família
Com a esperança que o amanhã será um novo dia
Ser enfermeira é em qualquer chamado estar pronta
É se vestir como se estivesse indo à guerra
Mas com receio de estar carregando a bomba
É chegar no local de trabalho
E não ter equipamentos pra se proteger
É se sentir impotente por não ter o poder
De dar mais vida para quem está para morrer
Que quando se perde um paciente
É como perder um pedaço do que já foi seu
E perder um colega de trabalho é se sentir num coliseu
Como um gladiador lutando contra algo invisível
Sem armadura, sem estruturas
Duelando contra o imprevisível
Ser enfermeira é continuar mesmo sem forças
Sem equipamentos e com a dignidade em disforia
O título de heroína eu descarto
Apenas luto por reconhecimento
E condições melhores para minha categoria
Acho maravilhoso e agradeço pelas palmas na janela
Mas infelizmente palmas não enchem minhas panelas
Quando lutamos para sermos vistos
Somos xingados, agredidos e cuspidos
Nós nos redobramos pela saúde do povo
Mas cadê o povo que está comigo?
Luto por um salário digno como de um parlamentar
Imagine se o auxílio paletó virasse auxílio jaleco
Se tivéssemos metade das regalias
Daqueles que deveriam lutar pelos nossos direitos
Se eles entendessem a importância da ciência do cuidar
Os enfermeiros teriam mais respeito
Eu só peço respeito para a categoria de enfermagem
Pois muitas vezes, no último suspiro
São esses profissionais que vão estar segurando a mão
Do seu pai, sua mãe, seus avós e seus filhos
Obrigada!"
Para ouvir a entrevista completa, clique aqui.
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