No Brasil, o novo coronavírus tem alta incidência entre jovens. Um dos principais motivos é que, diferentemente dos países da Europa, onde a sociedade tem grande número de pessoas mais velhas, aqui os jovens são maioria. Mas esta não é a única razão.
Segundo análise realizada por pesquisadores da Sala de Situação da UnB, com foco no Distrito Federal, esse público de até 59 anos não está cumprindo adequadamente o isolamento social recomendado pelo governo.
“Com o tempo, o isolamento social foi caindo no DF, porque as pessoas começaram a relaxar. Em parte, porque não veem a gravidade da situação e também devido à subnotificação; ou porque escutam que podem ir para a rua e vão; ou porque realmente precisam sair pra trabalhar, ou fazem parte da economia informal. Quem tem salário garantido no fim do mês e pode ficar em casa está ficando e fazendo teletrabalho, agora a população mais pobre não pode fazer isso”, explica Mauro Niskier Sanchez, professor do Departamento de Saúde Coletiva da UnB e integrante da Sala de Situação.
De acordo com o professor Sanchez, um olhar atento ao tempo de duplicação de casos no DF mostra claramente essa questão. Ele lembra que ainda em março, dez dias após o decreto do governador que estabeleceu – entre outras medidas – o isolamento social, o número de casos de Covid-19 dobravam a cada um dia e meio.
“Era uma velocidade muito rápida. Nesse gráfico, quanto mais alto vai a curva, melhor, pois quanto mais tempo demora para dobrar o número de casos, melhor”, conta o docente.
Este número já chegou a 16,58 entre 11 e 20 de abril, segundo os dados levantados pelos pesquisadores da Sala de Situação da UnB.
Isso significa que levava 16 dias e meio para o total de casos registrados no DF duplicar. Porém, no dia 18 de maio, quando o Distrito Federal liberou as atividades de comércio para lojas de roupas, calçados, extintores e serviços de corte e costura, os cálculos da equipe mostravam que a estimativa já havia caído para dez dias. Em 19 de maio, registrou-se nova queda no gráfico: 9,83.
“Dez dias para duplicar os casos ainda é uma velocidade relativamente confortável de propagação da epidemia, não está muito acelerada. Mas quando começa a decair o isolamento, a ter pessoas circulando com mais intensidade, começa a diminuir também o tempo de duplicação, que é o que está acontecendo agora”, reforça.
IDADE – Embora a quantidade de infectados pelo novo coronavírus no DF seja alta entre indivíduos nas faixas entre 30 e 39 anos e 40 a 49 anos – 1.303 e 1.006, respectivamente, conforme consulta realizada em 19 de maio à Sala de Situação da UnB –, a taxa mais alta de letalidade devido à Covid-19 incide sobre o grupo dos idosos. O número de óbitos chega a ser mais de seis vezes superior entre pessoas com 80 anos ou mais na comparação com jovens de 30 a 49 anos.
“Vemos que apesar de as internações de jovens terem um peso importante, quem morre mais são os mais idosos”, destaca Mauro Sanchez.
LEITOS – De acordo com o Painel Covid-19 no Distrito Federal, mantido pelas secretarias de Saúde e de Segurança Pública do DF, até 19 de maio havia 125 leitos de UTI ocupados (42,7% das hospitalizações registradas por Covid-19). Desses, 73 (cerca de 60%) atendem atualmente pacientes com idade até 59 anos e os 52 restantes (cerca de 40%), idosos com 60 anos ou mais.
O professor Mauro Sanchez explica que os pesquisadores da Sala de Situação da UnB analisam também a taxa de ocupação de leitos hospitalares e fazem projeções diárias do número de internações em UTI no DF.
“O dado analisado é o do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. É possível dizer que, aproximadamente, daqui a uma semana vamos chegar próximo à capacidade limite, se continuar com uma taxa de ocupação mínima por outras causas de 25%, se a tendência atual se mantiver e se tivermos ausência da expansão do número de leitos habilitados”, afirma o cientista da Universidade de Brasília.
Mauro Sanchez explica que é difícil projetar exatamente uma data para atingir a capacidade limite de leitos em UTI, porque não é possível saber quando será a próxima internação por Covid-19 no DF nem se ela será feita em rede pública ou privada. Mas o marco considerado no gráfico em questão, de 150 leitos ocupados, já serviria como alerta às autoridades públicas. De acordo com as projeções da Sala de Situação da UnB, em 24 de maio o número já poderá ser superior a 150.
SUBNOTIFICAÇÕES – Além de integrar a Sala de Situação, que subsidia diariamente a Secretaria de Saúde do Distrito Federal com gráficos e análises enviados diretamente aos gestores, o professor Mauro Sanchez também faz parte de outro conjunto de cientistas que calcula, entre outros dados, o número de subnotificações de casos de infecções pelo novo coronavírus no DF e no restante do país.
Para isso, este grupo independente – Covid-19 Brasil, formado por pesquisadores da UnB e de diversas universidades, inclusive do exterior –, utiliza dados da Coreia do Sul como referência, pois “é um dos poucos países que têm conseguido realizar testes em massa, o que sugere que a taxa de letalidade seja mais fidedigna em relação a outros locais”, e faz os ajustes necessários para a realidade brasileira.
As estimativas são calculadas a cada dez dias, visto que os testes aqui têm sido realizados já em processo de agravamento da doença e não nos sintomas iniciais. Sendo assim, os dados na página sempre estimam o que deve ter ocorrido dez dias antes para que o número chegasse no patamar que chegou.
Ou seja, no Distrito Federal, por exemplo, o número de casos confirmados pela Secretaria de Saúde em 9 de maio foi de 2.576. Pelos cálculos do grupo Covid-19 Brasil, nessa mesma data o número real seria de 8.380 casos positivos e a tendência, seguindo essa mesma linha de raciocínio, seria a de que em 19 de maio os números reais chegassem a 12.089 casos – quase cinco vezes superior ao registrado oficialmente pela Secretaria de Saúde.
Em nível nacional, os números de subnotificações também se mostram altos. Nas mesmas datas mencionadas acima: em 9 de maio, havia 155.939 casos confirmados de Covid-19, mas as estimativas calculam que havia mais de 1,6 milhão de brasileiros com a doença. A projeção do grupo de pesquisadores, portanto, é a de que o país tenha, na realidade, 3.319.484 casos de infectados pelo vírus em 19 de maio – número mais de 12 vezes superior aos 271.628 casos registrados pelo Ministério da Saúde.
Para o professor da Universidade de Brasília Mauro Sanchez, há duas possíveis soluções para minimizar o quadro de pessoas com o novo coronavírus.
“Uma é ampliar a capacidade de oferta de leitos e a outra é seguir com políticas de proteção social para o grupo mais vulnerável, que não consegue ficar em casa porque tem que ir trabalhar. Uma coisa não substitui a outra, tem que ser todo um pacote de intervenções multissetorial que proteja essa população mais vulnerável”, afirma.
No final de abril, o governo do Distrito Federal declarou que possuía, até o momento, 554 leitos de UTI cadastrados no Sistema de Prontuário Eletrônico. Em 15 de maio, anunciou que o DF terá um hospital de campanha com 400 leitos para pacientes com Covid-19.
Já o Ministério da Saúde afirmou, no último dia 19, que entre abril e maio já foram habilitados mais de 4 mil leitos de UTI no país voltados exclusivamente para o atendimento de pacientes graves ou gravíssimos com Covid-19.
SALA DE SITUAÇÃO – A Sala foi criada ainda em 2017 a partir de projeto de extensão da Faculdade de Saúde. Tem o objetivo apoiar no monitoramento, análise e definição de ações em saúde junto aos estudantes e gestores em saúde na tomada de decisão.
O espaço tem ainda como missão dar suporte pedagógico e tecnológico para ensino, pesquisa e extensão, que permita uma melhor caracterização e interação entre diferentes atores institucionais e a realidade epidemiológica e tecnológica dos Sistema Único de Saúde (SUS). É coordenada pelo epidemiologista Jonas Brant, que atua também como professor no Departamento de Saúde Coletiva.
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