Um artigo científico produzido na UnB faz um cruzamento das informações de condições climáticas, risco de incêndio e população indígena com covid-19. O texto, de autoria dos professores Rafael Rodrigues da Franca e Ruth Laranja, ambos do Departamento de Geografia, e das alunas do curso de Geografia Sara Epifânio, Ananda Santa Rosa e Kamila de Moraes, foi submetido à Revista Brasileira de Geografia Física e está sob aprovação.
A pesquisa avaliou 19 zonas de terras indígenas de sete estados brasileiros — Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Acre, Pará e Maranhão —, agrupadas em quatro posteriormente, para análise da quantidade de chuvas e de casos da covid-19. Os resultados apontaram que não houve mudança nas condições climáticas nos locais analisados, e a seca presente não é anômala, exceto no Pantanal e em parte do Brasil Central.
A estiagem, o clima quente e o acúmulo de combustível orgânico seco no ambiente podem, muitas vezes, ocasionar as queimadas. Além dos incêndios não provocados, há o fogo das queimas prescritas que, se mal manejado, pode prejudicar a saúde dos indígenas que vêm sendo acometidos pela covid-19.
Até 17 de julho, cerca de 479 indígenas haviam morrido pela covid-19 e as zonas observadas acumularam 12.212 casos de transmissão da doença, conforme dados das secretarias estaduais de Saúde. “O primeiro caso de indígena [contaminado] foi registrado em março, no Norte do país, mas em abril a doença se disseminou em grande amplitude”, conta Sara Epifânio, aluna do sétimo semestre e uma das autoras do trabalho.
Ela alerta que, embora a portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai) nº 419/2020 tenha proibido a entrada de civis nas terras indígenas, exceto para atividades essenciais relacionadas à saúde, segurança e entrega de alimentos, medicamentos e combustível, como medida de contenção à propagação do novo coronavírus, essa população pode ter contato com brigadistas que fazem a prevenção e o combate aos incêndios nessas áreas, o que pode agravar as taxas, já críticas, de transmissão da doença nessas comunidades.
Além disso, a necessidade de deslocamento dos índios aos centros urbanos para compra de alimentos ou para atendimentos em saúde, a prática de compartilhamento de utensílios e a entrada ilegal de pessoas nas comunidades para garimpo, desmatamento, caça e pesca também contribuíram para o aumento de casos.
“Essa é a população mais vulnerável, que não tem acesso aos serviços de saúde e, às vezes, até o próprio médico que está atendendo [os indígenas] pode transmitir a covid-19, explica Sara.
ESTRATÉGIAS DE COMBATE — Entre os outros problemas analisados no artigo, o professor do Laboratório de Climatologia Geográfica Rafael Rodrigues da Franca afirma que a fumaça que vem da queima prescrita é prejudicial para os indígenas e piora os quadros respiratórios, o que pode agravar o estado de saúde daqueles que estão com covid-19 e, os que não estão, podem confundir os sintomas com os da doença.
"A queima prescrita é uma queimada controlada, feita todos os anos e praticada precocemente com a finalidade de prevenir os grandes incêndios florestais no final da estação seca”, explica o professor. De maneira geral, as queimadas não ocorrem devido a essa prática ou às alterações climáticas, mas em função das atividades de garimpos e madeireiras, do desmatamento e da produção agrícola que adentra os territórios indígenas.
O artigo científico recomenda ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Funai a formulação de planos estratégicos para estimular a população em geral a se conscientizar do risco de fogo na estiagem, monitorar diariamente a situação da covid-19 em terras indígenas, analisar a qualidade do ar nas regiões estudadas e disponibilizar combustível para apoiar as rondas preventivas de queimadas pelos povos indígenas e pelos brigadistas.
Outras sugestões são estabelecer acampamentos-base distante das aldeias; realizar a compra de testes rápidos, luvas e máscaras para os brigadistas; evitar o contato com as populações indígenas e não fazer a troca de utensílios/equipamentos durante as ações sem higiene adequada.
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