O debate Reitorias negras pensam o papel da universidade em 2024, atividade da programação unificada Novembro Negro na UnB: Por uma educação antirracista, reuniu os gestores máximos de três universidades federais nesta quinta-feira (23). O encontro foi realizado no auditório do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) e debateu dificuldades comuns e perspectivas futuras.
O bate-papo foi mediado pelo vice-diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), Marcos Moreira. Ele norteou a conversa a partir de três eixos: trajetória até chegar ao cargo, desafios da gestão negra e propostas para atuação.
Ao compartilhar sua história de vida, a reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Joana Guimarães, externou a indignação que sente ao ser questionada sobre ser a primeira mulher negra eleita reitora de uma universidade federal no país.
“Eu fico triste quando me perguntam, porque deveriam existir muito mais gestores negros. Gostaria de olhar para o lado e ver pessoas como nós e isso ser considerado normal, não uma exceção”, afirmou Joana.
“Eu ajudei a criar do zero a UFSB e já era vice-reitora. Mesmo assim, quando fui eleita houve bastante questionamento sobre meu papel ser na cozinha e não na reitoria. Foram sete meses até eu ser nomeada”, compartilhou.
Assim como a conterrânea, Georgina Gonçalves, reitora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), também enfrentou dificuldades para assumir o cargo. Em 2019, ela foi eleita, mas não empossada pelo governo anterior. A posse veio apenas em 2023. Em sua fala, ela pontuou que, apesar das dificuldades, é possível ver que o perfil da universidade mudou.
“Nos anos 1980, quando eu estava na universidade, os negros eram menos de 1%. Só de olhar podemos ver que o perfil é outro e que aos poucos estamos avançando”, discorreu. “Temos orgulho da UFRB ter mais de 80% dos estudantes autodeclarados negros. É uma quebra de barreiras muito grande, mesmo alguns ainda dizendo que uma instituição de pretos não pode dar certo”, disse a reitora.
Segundo ela, o surgimento das universidades brasileiras foi tardio e a inserção de negros, lenta. Mas políticas afirmativas como a Lei de Cotas para o Ensino Superior e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) ajudaram a mudar esse cenário, permitindo cada vez mais o ingresso de negros, indígenas e pessoas de baixa renda no ambiente acadêmico.
Entre os desafios da gestão negra, o reitor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Valter Santana, citou as polêmicas envolvendo ingressos irregulares pelo sistema de cotas raciais e o caso do professor negro impedido de tomar posse na UFS, como exemplos para criar novos caminhos.
“Esses foram desafios que enfrentei logo quando assumi a gestão. Mas deles surgiram oportunidades não só para solucionar os problemas, mas também para criar uma universidade mais plural, que garante direitos e seja instrumento de modificação social”, disse.
PROPOSTAS – Com o olhar para o futuro, baseado em ingresso, permanência e ascensão de cada vez mais pessoas negras, os gestores compartilharam as ideias sobre o cenário ideal, perspectivas e ações que são necessárias.
"Realmente necessitamos entender o que fazer com esse novo perfil de estudante. Não temos apenas aquele jovem com disponibilidade de tempo. Temos a mãe solo que já passou dos 25 anos e trabalha. Como vamos garantir a renda dela e de tantos outros para que eles permaneçam na universidade?", refletiu Georgina.
"Temos que permear a discussão e pensar quais mudanças as pessoas negras realmente trazem, no sentido de fazer algo novo, de mudança. Desejo que esses novos estudantes mudem o fato de ser notícia uma mulher negra ser reitora, por exemplo", projetou Joana.
"Se não fizermos o trabalho hoje, com ações integradas em rede e todas as universidades unidas, vamos perder força.Temos que ter uma organização efetiva, sair do discurso e ir para a prática, para não haver retrocessos", atestou Valter.
Entre as propostas imediatas, está a proposta de articulação para a criação de uma renda mínima a ser paga aos estudantes com dificuldades financeiras, para a continuidade dos estudos.