RECONHECIMENTO

Trabalho que aborda a história do direito administrativo no Brasil sob a perspectiva de um de seu maiores juristas será publicado por editora espanhola

Tese de pesquisador da Faculdade de Direito Gustavo Zatelli foi premiada na Espanha. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE

 

Tese desenvolvida na Faculdade de Direito (FD), sob orientação do professor Airton Seelaender, acaba de receber o V Premio de Investigación Doctoral en Historia del Derecho en América Latina por sua significativa contribuição à história do direito administrativo. Gustavo Zatelli Correa defendeu a tese Direito Administrativo, Estado Interventor e Técnica: uma Biografia Jurídica de Hely Lopes Meirelles (1917-1990) em agosto de 2022.

 

O trabalho será publicado pela editora espanhola Tirant lo Blanch, que pertence ao mesmo grupo editorial acadêmico que organizou a premiação. O autor explica que a tese trata de construir uma "biografia jurídica", ou "biografia intelectual", do jurista Hely Lopes Meirelles, renomado autor da área do direito administrativo brasileiro.

 

“Por algumas décadas no Brasil, os livros de direito administrativo de Hely Lopes foram usados e referenciados de forma particularmente intensa em diferentes instâncias do judiciário e da administração pública. Alguns destes livros, inclusive, ainda hoje são editados e atualizados, constando nas prateleiras da seção jurídica da maioria das livrarias nacionais. Contudo, ainda faltava na literatura especializada uma análise histórica aprofundada de sua obra, relacionando-a com seu contexto e com a atuação profissional e política do autor. A relevância da pesquisa é exatamente a de entender Hely Lopes Meirelles em seu tempo, potencialmente desmistificando ou problematizando o uso acrítico de suas publicações”, explica Gustavo.

 

CONJUNTURA HISTÓRICA – Para o pesquisador, o que mais ficou patente no estudo foi a adaptabilidade da argumentação jurídica de Meirelles ao seu contexto social e político.

A tese de Gustavo Zatelli (foto) oferece chave de leitura para compreender de forma crítica os contextos sociais e políticos da produção do renomado jurista brasileiro Hely Lopes Meirelles. Foto: Arquivo Pessoal

 

“Enquanto nos seus primeiros escritos (da metade dos anos 1940 até começo dos 1950), o esforço de Meirelles concentrava-se em criticar e oferecer instrumentos capazes de desmontar o que restava do aparelho estatal getulista, os seus escritos dos anos 1950 passaram a enfatizar a necessidade de industrialização de um país que era enxergado como atrasado e subdesenvolvido", analisa.

 

"Aí os problemas eram em como construir um Estado atuante, mas descentralizado, que pudesse solucionar as discrepâncias entre campo e cidade. A solução de Meirelles foi, nesse momento, a de dar poder ao município e legitimar órgãos técnicos nessas estruturas estatais”, completa, antes de prosseguir:

 

“O curioso é que, com a ditadura, Meirelles continuou se adaptando, moldando os seus argumentos antigos ao novo modelo proposto pelos generais e pela Escola Superior de Guerra. A atuação de Meirelles durante 1968-1971 enquanto secretário estadual de São Paulo, em diversas pastas do governo, também foi um dos focos do trabalho. A obra de Meirelles precisa ser lida, portanto, por essas chaves, para entender quais problemas as soluções jurídicas propostas por ele tentavam resolver”, observa Zatelli.

 

CIÊNCIA E OUSADIA – Para o professor Airton Seelander, a tese de Zatelli é um dos melhores frutos de uma linha de pesquisa que demanda, ao mesmo tempo, rigor científico e coragem: a do estudo das relações entre os juristas brasileiros e o autoritarismo. "Tema incômodo, mas essencial para entendermos os regimes ditatoriais que tivemos”, avalia.

 

“Além disso, fugindo a clichês e descrevendo bem um quadro complexo, Zatelli apresenta um denso estudo sobre o papel de um influente jurista, Hely Lopes Meirelles, na modernização de nosso direito administrativo. Na era da urbanização e industrialização do país, Hely foi um dos autores que tornaram o direito brasileiro apto a traduzir e escorar a transformação do Estado e a mudança do papel deste dentro da sociedade”, destaca.

 

Outro estudante orientado por Airton, Bruno Rodrigues de Lima acaba de receber a medalha Otto Hahn do Max Planck Institute, na Alemanha, pela tese We have laws and I know what I want: Luiz Gama and the normative production of freedom in 19th century Brazil. O trabalho analisou centenas de casos com os quais o jurista abolicionista Luiz Gama lidou no século 19. Graças aos esforços do advogado, cerca de 500 pessoas escravizadas conquistaram a liberdade.

 

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