PIONEIRISMO

Aaron Ciechanover, ganhador do prêmio em 2004, recomendou aos jovens: “Sejam ousados”

 

Nobel dá dica, no auditório da ADUnB: "Após a graduação, recomendo sair do país e ter contato com outros pesquisadores. Isso ajuda a imunizar contra a frustração". Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

A Universidade de Brasília recebeu, nesta quinta-feira (10), o ganhador do prêmio Nobel de Química do ano de 2004, Aaron Ciechanover. Em tom descontraído, o cientista falou sobre a descoberta da molécula ubiquitina, que regula os processos de degradação celular. No auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), cerca de 600 pessoas acompanharam a palestra, também transmitida pelo Facebook da UnBTV e no anfiteatro 10.

 

“Vim contar a história da descoberta da ubiquitina”, começou. “As proteínas são muito importantes no nosso corpo. O jogo da vida é jogado por elas e a linguagem do corpo também é falada na língua das proteínas”, afirmou Ciechanover. Para exemplificar, ele comparou com a degradação de uma carne deixada fora de refrigeração – ao sair da temperatura ideal, ela rapidamente muda de aspecto porque está sendo deteriorada. O mesmo acontece com o corpo humano, que está na temperatura de 37° Celsius. “O que temos em nós é um mecanismo de remoção das proteínas estragadas e das que não são necessárias, ainda que funcionais e saudáveis", disse.

 

O sistema da interação entre a molécula ubiquitina e as proteínas faz com que haja a regulação de vários processos celulares como a replicação das células ou eliminação daquelas que tenham tido sua informação genética danificada, e podem causar um câncer, por exemplo.

"Se quiser descobrir algo, seja focado e corra o risco", aconselhou Ciechanover. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Todos os dias, os seres humanos renovam suas células e destroem algo entre 5% e 7% de proteínas. Como tudo no corpo é "falado" na linguagem das proteínas, são eliminadas aquelas que o organismo não quer que funcionem. O vencedor do Nobel conta que parecia óbvio que algo muito específico fazia com que as proteínas certas fossem degradadas e causassem a morte celular.

 

“Foi sabendo a pergunta que chegamos na resposta. Pensamos que deveria existir algo que regulasse os processos”, disse. Ciechanover novamente usou a comparação ao afirmar que a ubiquitina atuaria como um policial que algema pessoas certas, que depois serão levadas para um carro que as conduzirá para a execução de uma sentença.

 

“Após observar o lisossoma [organela que contém enzimas capazes de digerir substâncias orgânicas], percebemos que ele era parte disso, mas havia um mecanismo bem específico faltando”, relatou. Para identificar o que poderia ser, o professor utilizou as moléculas de hemoglobina responsáveis por levar oxigênio e buscar gás carbônico na célula. Essas moléculas não possuem estrutura celular muito complexa, tendo somente o essencial para os processos que desempenha. “É muito mais fácil ouvir o som de um violino se não houver muito barulho em volta”, exemplificou.

 

O professor conseguiu identificar, então, a molécula que criou base para medicamentos de combate ao câncer e vacinas de prevenção ao HPV: a ubiquitina.

 

USOS – A ubiquitina se liga à molécula indicando aquilo que será degradado no sistema proteolítico. Assim, ela funciona como marcador que pode regular a velocidade de degradação de uma célula, entre outras ações.

 

“Como 10% de todo o nosso genoma é voltado para processos de degradação, pudemos perceber que eles têm função preponderante na nossa existência”, relatou o professor.

 

No caso do câncer, a atuação da ubiquitina tem a possibilidade de frear o avanço de tumores, regulando a velocidade com que uma célula irá chegar à apoteose ou morte celular. Se ela faz com que as células cancerosas sejam degradadas, aumenta a chance de sucesso no combate à doença.

Aaron Ciechanover explica funcionamento do medcamento contra câncer de medula
Medicamento derivado da técnica de Aaron Ciechanover traz novas perspectivas no combate ao câncer com menos efeitos colaterais. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Medicamentos como os de combate ao câncer de medula óssea, por exemplo, utilizam o conhecimento produzido pelo professor Ciechanover. O remédio induz a morte das células tumorais com poucos efeitos colaterais.

 

“Eu estava em uma festa de Hanukkah quando recebi de presente um agradecimento: um homem disse que já havia recebido a extrema unção e me agradeceu, pois um remédio experimental desenvolvido a partir da lógica da ubiquitina havia restabelecido sua saúde”, conta o Nobel.

 

FAZER CIÊNCIA – Formado em Medicina, o professor também abordou em sua fala a carreira e a necessidade de ousadia na construção do arcabouço científico. “Decidi que queria mudar de área e mudei. É preciso ser ousado e correr riscos para fazer ciência”, afirmou.

 

Para Ciechanover, é necessário instigar, e a ciência leva a isso. “Somos construídos de proteínas diferentes daquelas de que éramos feitos três meses atrás. Se eu não sou o mesmo de três meses atrás, quem eu sou hoje?”, questionou. Segundo ele, é preciso perguntar para ir além. “Faça a pergunta certa e o resultado será certo. Não há limites para a ciência”, finalizou.

 

NOBEL NA UNIVERSIDADE – “É fundamental ter na UnB, que é uma das universidades públicas mais importantes do país, incentivo aos jovens que não só irão entrar aqui, mas também farão pesquisas”, disse a reitora Márcia Abrahão. Posição compartilhada pela decana de Pós-Graduação, Helena Shimizu: “a presença de um prêmio Nobel estimula professores e alunos a terem mais audácia em suas pesquisas”, defendeu.


O diretor de comunicações da Fundação Nobel, Adam Smith, complementou: “Precisamos lembrar aos jovens e pesquisadores como é excitante fazer descobertas. Quando eles entram na universidade, tudo é novo e a preocupação depois é com a carreira, não com o fazer ciência”, alertou Smith.

 

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