COMUNIDADE CIENTÍFICA

Ganhador do Prêmio de Medicina em 2019, falou sobre o passado como aluno, respondeu a diversas perguntas e tirou fotos após palestra 

Ao mesclar temas leves e complexos, o Nobel de Medicina empolgou o público no auditório da ADUnB. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB


Quando se imagina como é um vencedor de Prêmio Nobel, diversas possibilidades vêm à mente... seria um predestinado? Um ser humano prodígio desde a infância? Uma pessoa totalmente “fora da curva”? Indagações que fazem sentido quando o reconhecimento é mundial em torno de sua contribuição para a humanidade. Mas, na última quarta-feira (30), William George Kaelin Jr, agraciado com o Nobel de Medicina em 2019, provou a todos que é de carne e osso, e “gente como a gente”.


Em visita à Universidade de Brasília, “Bill” Kaelin fez uma palestra no auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB). Embora o tema fosse Como as células de mamíferos sentem e respondem ao oxigênio (e minha improvável jornada a Estocolmo), o Nobel dedicou boa parte do tempo a falar sobre sua trajetória na condição de aluno.


Segundo ele, quando criança não gostava muito de estudar. Gostava de brincar. E tinha bastante tempo para poder desenvolver sua curiosidade.


“Acho que hoje as crianças não têm muito tempo livre para explorar, usar a imaginação e ser criativas”, opinou Kaelin, que com cerca de dez anos de idade brincava com carros e trens elétricos, kits de construção e também com um kit de química e um microscópio de brinquedo.


Na escola, gostava de aprender conceitos e ideias, e conteúdos objetivos que resultassem em respostas específicas para as perguntas. Não gostava nada de decorar fatos e de avaliações subjetivas, como o que a professora achou de seu poema ou de sua redação.

Vencedor do Nobel em 2019, Williiam Kaelin fez questão de destacar seu desempenho escolar quando jovem. “Eu praticamente só tirava B", revelou. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

“Eu praticamente só tirava B [nota equivalente a MS no Brasil]. A única coisa que me salvou foi... minha mãe havia sido matemática e eu devo ter herdado esse gene dela, porque matemática sempre foi muito fácil para mim. Tudo parecia óbvio e intuitivo, nunca precisei trazer os livros para casa e sempre tirava A [equivalente a SS]”, rememorou.


No Ensino Médio, Kaelin foi do mesmo jeito: tirava A em matemática e era um aluno regular no restante. Nessa época, foi selecionado junto a outros 31 estudantes em todo os Estados Unidos (EUA) para participar de um programa prático de estudo de matemática na Universidade Atlântica da Flórida. E isso representou uma virada em sua vida acadêmica.


“Antes eu ficava entediado na escola e agora eu achava o currículo escolar muito empolgante e desafiador. Pela primeira vez, eu estava fazendo os deveres de casa e leituras complementares”, lembrou.


E aconselhou: “Cerque-se de pessoas mais inteligentes e mais talentosas que você, porque aí você crescerá mais rapidamente. Eu garanto: se for constantemente a pessoa mais inteligente da sala, você não vai aprender muito. Então, saia daí e se esforce para ir para um lugar onde as pessoas ao seu redor possam te ensinar porque são muito mais inteligentes que você”.


Formado em Química, Matemática e Medicina, William Kealin frisou que durante sua jornada acadêmica teve diversas rejeições em instituições de ensino e também em publicações científicas. Teve situações em que se questionou se o curso em que estava era o correto para ele, ou mesmo se deveria seguir a carreira científica – já que houve um caso em que foi o primeiro e último orientando de um professor em uma das universidades pelas quais passou.


E então, o Nobel deu uma dica à atenta plateia da ADUnB, formada por muitos estudantes e professores da Universidade de Brasília: “Se você está tendo dificuldades em um laboratório, é verdade, pode ser sua culpa. Mas outra possibilidade é que você esteja no laboratório errado, ou no projeto errado, ou não está com o orientador certo”.


AUTODÚVIDA E AUTOCONFIANÇA – O estudante do nono semestre de Biologia da UnB Luis Felipe Romera teve a oportunidade de fazer uma pergunta ao Nobel durante a palestra. O garoto, que quando cursou a disciplina de citologia também já havia tido chance de conhecer a trajetória e a descoberta de Kaelin, colocou então sua questão: gostaria de saber do laureado como identificar o momento de parar com determinada pesquisa que não deu certo até o momento ou seguir adiante com a investigação.


“Eu perguntei basicamente como que ele faz pra lidar com a autodúvida, porque quando a gente está fazendo um experimento, a gente acha que está descobrindo algo que vai mudar o mundo. Então, se você trabalha horas num experimento e não tem o resultado que estava esperando, e aí? Será que eu que fiz o experimento errado? Será que tenho que insistir ou será que essa é a realidade da natureza? Será que eu parto pra outra linha de pesquisa?”, indagou o rapaz, que gostaria de seguir na vida científica no futuro.


“Ele respondeu que a gente tem que ter um pouco de tudo”, relembrou. “Gostei bastante, porque ele não deu uma resposta de Hollywood, tipo ‘nunca desista do seu sonho’. Ele falou: ‘você tem que duvidar de si mesmo e falar, cara, às vezes eu errei o experimento – às vezes, minha resposta está ali escondida. Ou você também tem que falar: esse é o máximo que eu poderia extrair disso, se eu apostar mais tempo nisso, vou estar jogando dinheiro fora, jogando tempo fora e fechando portas que eu poderia estar usando. Você tem que saber mediar esses dois fatores’.”

Comida gostosa e bate-papo com o Nobel: assim foi o almoço de 20 pós-graduandos na última quarta-feira (30) na UnB. Foto: André Gomes/Secom UnB


LEGADO – Após a palestra, 20 pós-graduandos da Universidade de Brasília, das áreas de Ciências da Vida, também tiveram um momento único com William Kaelin. No Salão de Atos da Reitoria, puderam degustar um almoço especial com o Nobel enquanto faziam perguntas específicas sobre sua descoberta e ainda sobre a ciência, a profissão de cientista, a dinâmica dentro da academia, a lógica de publicação, entre outros temas.


Bruno Milhomem, que cursa o doutorado em Biologia Molecular no Instituto de Ciências Biológicas da UnB e fez mestrado em Patologia Molecular, foi um dos selecionados para o bate-papo particular. Ele ressaltou que um dos aspectos abordados por Kaelin foi o balanço entre a vida pessoal e a academia. “O que ele priorizava como sendo mais importante pra ele seria a vida familiar, mas mesmo assim ele se preocupava em fazer pesquisa de excelência”, contou.


A relação entre orientadores e alunos também foi tópico da conversa com o Nobel. Segundo Kaelin, os mentores devem ter consciência das responsabilidades que assumem a partir do momento em que o orientando se propõe a executar a pesquisa e as tarefas que foram propostas – afinal, os mentores também têm responsabilidade sobre o sucesso do projeto. “A impressão que deu é que ele fomentava um ambiente de trabalho saudável assim dentro do laboratório dele e procurava também o sucesso dos alunos dele”, disse o pós-graduando.


Para Milhomem, foi bastante inspirador ver que o vencedor do Nobel ainda é motivado essencialmente por aspectos fundamentais da pesquisa e por sua curiosidade científica de entender melhor como a biologia funciona, como os processos celulares se dão.


“O que ele fez questão de ressaltar é que não é o reconhecimento que motiva ele – que, claro, é excelente, traz muitas vantagens de acesso a recursos e contato com outras pessoas e oportunidades de divulgar a ciência, mas a motivação original dele não é o reconhecimento externo propriamente dito. Isso pareceu bem sincero e honesto. Então foi uma experiência bem legal”, conclui o doutorando.

 

DOUTOR HONORIS CAUSA – Depois do almoço com estudantes, o Nobel de Medicina recebeu, no Auditório da Reitoria, o título de Doutor Honoris Causa, em reconhecimento à sua contribuição em prol da ciência e da humanidade.

 

Docente na Escola de Medicina de Harvard e pesquisador no Instituto de Medicina Howard Hughes, ambas instituições estadunidenses, o homenageado é formado pela Universidade de Duke (EUA), onde cursou suas três graduações (Química, Matemática e Medicina). 

 

Durante o terceiro ano do curso de Medicina, desenvolveu pesquisa laboratorial sobre fluxo sanguíneo tumoral. Especializou-se em oncologia no Instituto de Câncer Dana-Farber (EUA) e, em 2019, foi honrado com o Prêmio Nobel de Medicina/Fisiologia. Kaelin foi o quarto ganhador de Prêmio Nobel a ser recebido na Universidade de Brasília. 

 

Confira palestra na íntegra, via UnBTV:

 

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