Discutir o impacto da comunicação na construção de novos olhares acerca das mulheres e da comunidade LGBTQIAPN+ e dar visibilidade a pesquisas que abarquem questões de gênero na mídia, numa perspectiva interseccional e transcional. Estas são propostas do I Colóquio Internacional Gênero e Comunicação, que será realizado na Faculdade de Comunicação (FAC) nos dias 13 e 14 de novembro. O evento está com inscrição e submissão de trabalhos abertas até 25 de setembro*. Os artigos devem ser encaminhados em português, francês ou inglês, seguindo o template e orientações disponíveis neste link.
Além de projetar a produção científica na temática e em áreas correlacionadas, o colóquio oportuniza o intercâmbio de experiências acadêmicas e profissionais no campo dos estudos feministas e de gênero.
A iniciativa é resultado de parceria do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB (PPGCOM/FAC) com a unidade mista de pesquisa em Ciências Humanas e Sociais ligada à Universidade de Rennes, na França, e outras instituições do país europeu: o Centre Nacionale de la Recherche Scientifique; o Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm); a École des Haute Études en Santé Publique (Ehesp); a Sciences Po Rennes; e a Rennes 2.
Professora da FAC e coordenadora do evento, Liliane Machado destaca a relevância das pesquisas sobre gênero ao observar os desdobramentos recentes das violências contra as mulheres no cotidiano e no universo profissional da comunicação no Brasil.
Em 2022, o país teve número recorde de feminicídios reportados desde que a lei que enquadra o crime vigora: houve 1,4 mil vítimas, uma a cada seis horas. Relatório da Associação Brasileira de Jornalismo (Abraji) contabilizou, no mesmo ano, 145 ataques de gênero ou contra mulheres jornalistas, aumento de 13,1% em relação a 2021.
“São jornalistas sendo assediadas, sofrendo violência moral, difamatória, sem contar o número de feminicídios [contra as mulheres em geral]. Há uma polêmica se [o número] aumentou de fato ou se foi a notificação que aumentou, mas o fato é que é escandalosa a quantidade. Tudo isso torna necessário que a academia pense sobre as relações de gênero no mundo”, salienta a docente, que observa o crescimento de pesquisas sobre gênero no PPGCOM/FAC.
Ela lembra que os produtos midiáticos em geral, como jornais e filmes, também têm responsabilidade nos discursos sobre gênero que circulam na sociedade. “As mulheres não nasceram, como todos gostam de pensar, como todas femininas, frágeis, choronas, irracionais. Não, isso é uma construção. E a gente percebe que as mídias, de uma forma geral, corroboram essas construções e, às vezes, até mesmo as criam. Quando você analisa essas mídias e aponta os estereótipos, você pode desconstruí-los e construir uma nova sociedade.”
VIOLÊNCIAS VIRTUAIS SÃO REAIS – As mulheres são o principal alvo de crimes de ódio na internet, aponta levantamento da Safernet, organização não governamental que opera a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. O número de queixas desta natureza saltou de 8 mil, em 2021, para 28 mil, em 2022. O dado representa a maior parte dos registros no ano passado de violências no universo virtual se consideradas outras motivadas por preconceitos diversos – foram 74 mil ao total.
Outro levantamento, da agência Aos Fatos, identificou ao menos 80 canais de YouTube e 20 perfis de TikTok misóginos na ativa com a soma de 8 milhões de seguidores e mais de meio bilhão de visualizações.
Violências na internet contra a comunidade LGBTQIAPN+ também são significativas: 134.832 casos foram contabilizados de 2006 a 2017, período em que também houve denúncia de 30.950 páginas por dispor de conteúdo discriminatório – 3.818 foram derrubadas.
Para Liliane Machado, a situação está atrelada ao cenário político da última década, como demonstra uma pesquisa, sob sua orientação, que apontou o fomento da misoginia pela imprensa local em matérias sobre a ex-presidente Dilma Roussef durante seu mandato e no processo de impeachment.
“Os discursos de ódio contra as mulheres, homofóbico e transfóbico recrudesceram no Brasil desde as manifestações de 2013 e, com o impeachment da Dilma, isso ficou muito claro, com todas aquelas postagens misóginas em relação à nossa ex-presidenta", avalia a docente, que também coordena o grupo de pesquisa Madalenas em Ação, focado em discussões e em estudos feministas e de gênero na comunicação.
Pesquisadora de midiativismo digital, que envolve as mídias engajadas sob a perspectiva de gênero, a doutoranda em Comunicação na UnB em cotutela com a Universidade de Rennes, Mariana Aussani, salienta a importância de valorizar a produção científica sobre o tema como forma de reafirmar os direitos das mulheres e de grupos sociais minoritários.
“É uma forma de reivindicar a permanência do que já foi conquistado até aqui e de mostrar que, institucionalmente, as universidades, discentes e docentes e a comunidade acadêmica como um todo estão se organizando e se mobilizando para traçar estratégias para combater desinformação e discursos de ódio e para ampliar as demandas por equidade de gênero e inclusão”, aponta a pós-graduanda, que também participa da organização do colóquio.
Mariana ressalta o potencial do evento para internacionalização da UnB e para ampliar a interação entre países no debate sobre gênero. “Propor uma parceria entre Brasil e França, entre Sul e Norte global, é uma tentativa de apresentar às outras culturas o que estamos produzindo e os alcances e potenciais do ativismo feminista da América Latina.”
IGUALDADE EM PAUTA – A temática de gênero está presente nas ações institucionais da UnB nos próximos meses. Sob o mote O futuro é feminino, a Semana Universitária 2023, que ocorre entre 25 e 29 de setembro, mobiliza a comunidade na discussão sobre a participação das mulheres na construção de um futuro melhor para o país e o para o mundo.
As inscrições para participar das mais de mil ações oferecidas nesta edição estarão abertas a partir de 11 de setembro. Saiba mais aqui.
“A sociedade brasileira convive diariamente com dados alarmantes de violência praticada contra as mulheres. No campo científico, infelizmente, isso também acontece. A mulher ainda sofre inúmeras discriminações, especialmente quando o assunto são as áreas do conhecimento”, lembra a decana de Extensão, Olgamir Amancia. Ela aponta maior valorização de áreas socialmente relacionadas aos homens em detrimento dos conhecimentos sobre cuidado, comumente atrelados às mulheres.
Para a gestora, trazer este debate para a Semana Universitária é uma forma de engajar a instituição no combate a opressões e na promoção de justiça social. “Enfrentar a violência de gênero é um desafio que a Universidade não pode se furtar, pois o futuro com dignidade para todas as pessoas exige relações de igualdade, sem assimetrias ou sujeições”, avalia.
Já no mês de outubro, a revista Darcy lança sua 30ª edição e faz ecoar as lutas e vozes dos feminismos ao longo da história, com destaque para o pioneirismo daquelas que tensionaram a dominância masculina e a prevalência de viés machista, sexista e misógino no campo científico. Além de apresentar um panorama de diferentes abordagens dos pensamentos feministas e mostrar como eles nos impactam na prática, a publicação traz iniciativas de pesquisa e extensão da UnB com este enfoque.
*Prazo prorrogado em 15/9.