Com a presença da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Universidade de Brasília comemorou, em sessão especial na tarde desta quinta-feira (22), os 20 anos das cotas raciais da UnB. Além da ministra, compuseram a mesa de honra da cerimônia, no auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), a reitora Márcia Abrahão, o vice-reitor Enrique Huelva e a secretária de Direitos Humanos da UnB, Deborah Santos.
“A política de cotas devolveu a dignidade roubada de muitas famílias negras deste país, que viram seus netos e seus filhos serem os primeiros a terem uma graduação na linhagem familiar. A política de cotas e as lutas do movimento negro trouxeram, em 2023, uma cotista para ocupar o cargo de ministra de Estado do Brasil. E não vamos parar”, afirmou Anielle Franco, que foi estudante cotista na graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A reitora Márcia Abrahão destacou o trabalho realizado pelo professor José Jorge de Carvalho na instituição do sistema de cotas na UnB, em 2003. E também para manter vagas na UnB destinadas exclusivamente a negros e indígenas quando a Lei de Cotas foi aprovada em todo o país, em 2012. “O professor José Jorge me procurou quando eu era diretora do Instituto de Geociências, sabendo que teria uma aliada", recordou. "E o professor José Jorge foi de instituto em instituto para garantir os votos necessários à aprovação." E assim aconteceu, com a manutenção de 5% de vagas para cotistas raciais.
O desafio de ingressar na academia como docente e não encontrar referências negras foi destaque na fala da secretária de Direitos Humanos, Deborah Santos. “Não tínhamos cotas, foi difícil entrar e não se ver, não ter espelho, não ter professores, não ter colegas. Fazer o curso de História e não ter a disciplina de História da África. E quando se falava dentro da História do Brasil, a população negra era sempre retratada como escravizada, aparecendo como pessoas que nunca reivindicaram, que nunca fizeram nenhum movimento de fuga. Era esse o discurso naquele momento. E, assim, pressionamos a Universidade para discutir a questão racial”, contou.
Representante dos estudantes cotistas indígenas, a jornalista e mestranda em Antropologia Amazonir Araújo defendeu que as cotas vão além de uma ação afirmativa. “É uma chance de a gente vivenciar as oportunidades de profissionalismo. Com educação superior, temos condições de competir de igual para igual com os não indígenas. E isso representa um grande passo para que nós, indígenas, possamos defender os nossos direitos e o que é importante para nossa comunidade."
Para Nathan Dultra, pedagogo pela UnB e mestre em educação pela Universidade de São Paulo (USP), que representou cotistas negros e negras no evento, as ações da UnB garantem a continuação dos estudos. “As políticas afirmativas não tratam somente do resguardo do ingresso, mas do conjunto de políticas de permanência. Nesse sentido, afirmo a vocês, me fiz valer do direito de moradia, na Casa do Estudante Universitário. Me fiz valer da alimentação, no conjunto das refeições no Restaurante Universitário. Me fiz valer do direito ao trabalho, estagiando no Centro de Convivência Negra”, detalhou.
O vice-reitor Enrique Huelva avaliou o protagonismo da Universidade como uma instituição transformadora. “Desde 6 de junho de 2003, o Cepe mostra sua força, sua ponderação, seu pioneirismo, não apenas em aprovar a política, mas também por implementá-la e acompanhá-la, com a firmeza que demandam essas políticas. O que a gente faz na UnB ressoa positivamente no resto do país. Eu me sinto sortudo por ter participado, em 2003, como membro do Cepe, da aprovação das cotas na Universidade de Brasília."
HISTÓRICO – A UnB foi a primeira universidade federal a adotar o sistema de cotas. Elaborado pela professora Rita Laura Segato e pelo professor José Jorge de Carvalho, o documento que estabeleceu a medida – o Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial – foi aprovado pelo Cepe em 6 de junho de 2003. Em 2004, houve o primeiro vestibular com vagas exclusivas para negros e indígenas.
A política de cotas da UnB foi questionada pelo DEM, em 2009, no Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril de 2012, a Corte entendeu que a iniciativa era constitucional. Meses depois, em agosto do mesmo ano, o governo federal sancionou a Lei nº 12.711, chamada de Lei de Cotas para o Ensino Superior. Mesmo com a legislação, a Universidade mantém o próprio programa, destinando 5% das vagas na graduação para estudantes negros e 5% para indígenas. Em 2020, o Cepe aprovou, por unanimidade, o estabelecimento de cotas raciais, também, para a pós-graduação.
Desde 2004, primeiro ano em que foi aplicado o sistema, 23.310 alunos ingressaram na Universidade de Brasília por meio da cota racial. Desse total, quase 7 mil se formaram, e 13.354 são estudantes ativos. Nos Programas de Pós-Graduação (PPGs), a implementação das cotas ocorreu em 2021. A partir de então, 483 estudantes cotistas ingressaram nos PPGs da UnB.
AVANÇOS – Sempre com o compromisso com a igualdade, equidade, diversidade, inclusão e democracia, a UnB continuou avançando em ações que atuam sobre esses temas. Houve a criação da Câmara de Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos e de uma Política de Direitos Humanos.
A Universidade também estabeleceu comissões de heteroidentificação para o ingresso nos cursos de graduação e de pós-graduação e o Comitê Permanente de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa. Ampliou os programas de assistência estudantil e de auxílios e bolsas acadêmicas.
HOMENAGENS – Ao fim do evento, que foi parte da programação comemorativa pelos 20 anos das cotas na UnB, com atividades ao longo do mês de junho, o professor José Jorge de Carvalho foi homenageado pela atuação em favor das cotas. Também foram agraciados o professor Nelson Inocêncio, ex-coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e sócio-fundador da Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negras e Negros e um lutador incansável das ações afirmativas na UnB, e a professora Dione Moura, diretora da Faculdade de Comunicação, integrante da comissão do Cepe que discutiu o detalhamento do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial.
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O evento pode ser assistido abaixo: