Prestes a completar 64 anos, Brasília tem muito a contar. É o que demonstra o grupo de pesquisa interdisciplinar Capital e Periferia, nascido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UnB). A proposta é investigar os limites e potencialidades da relação centro-periferia, por meio de abordagem espacial e temporal variada, diálogo teórico e metodológico com outras áreas e participação de membros que estão em diferentes estágios acadêmicos.
“Nosso grupo estuda a história de Brasília com ênfase nos espaços que estão além do Plano Piloto, para questionar as narrativas tradicionais e falar de uma diversidade de perspectiva, que é conflituosa e que está sempre sendo atualizada por novas representações”, descreve a professora Maria Fernanda Derntl, coordenadora do grupo.
“A ideia é investigar mais a fundo o potencial simbólico do discurso e arquivos oficiais, contrapondo com imagens, que são muitas vezes excluídas desse simbolismo da Brasília monumental”, explica Luciana Jobim, mestra e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela UnB. A pesquisadora emprega novo olhar para outras potencialidades da cidade, como trabalhadores e ocupações informais, por meio da análise de fotografias.
Os pesquisadores que compõem o grupo são de diferentes áreas de conhecimento e de formação, da graduação ao pós-doutorado. Estão distribuídos em três linhas de pesquisa: História do Planejamento, da Urbanização e do Urbanismo de Brasília; Representações de Brasília; e Formação dos Territórios de Goiás e do Distrito Federal.
O grupo foi oficialmente registrado no diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 2021. No ano seguinte, a atuação foi destacada pela revista Pesquisa Fapesp, pela abordagem inovadora acerca de Brasília, estudada como “mais do que uma capital de monumentos”. Ao longo dos últimos anos, reuniu dezenas de publicações de artigos, livros e dossiês, além de participações em podcasts, entrevistas e palestras, sendo reconhecido com diversas premiações.
Atualmente, o grupo trabalha no projeto de pesquisa Favelas e remoções em Brasília, cujo objetivo é analisar práticas de erradicação de favelas na capital federal, com ênfase no período da ditadura militar. A pesquisa abrange análise de documentos oficiais, como planos e relatórios técnicos, mas também investiga as representações sociais das favelas e remoções através de fotos, grafites, escritos literários e dossiês patrimoniais.
Além disso, busca contextualizar a experiência de Brasília dentro do panorama mais amplo das políticas de desfavelamento no país. O projeto tem se beneficiado de um constante diálogo com professores e pesquisadores do Brasil e do exterior.
“Temos financiamento do CNPq, um projeto de cooperação internacional com a África do Sul e ganhamos a bolsa de estudo Fulbright”, comenta a coordenadora. A pesquisadora explica que, de setembro a dezembro de 2024, representará o grupo nos Estados Unidos. Ela será uma das dez pesquisadoras contempladas pela bolsa Fullbright, exclusiva para doutores com mais de 7 anos de titulação, entre todas as áreas do conhecimento.
O projeto também produzirá uma série de artigos a serem publicados em periódicos científicos nacionais e internacionais, eventos científicos para discussão de resultados preliminares e exposição na Galeria Risofloras, do Programa Jovem de Expressão, na região administrativa de Ceilândia, Distrito Federal. Todo o conteúdo produzido pelo grupo poderá ser acessado no site: capitaleperiferia.unb.br, que entrará no ar em breve.
ESTUDOS – O grupo, dinâmico e apaixonado pela temática, é unânime ao destacar a importância de ir além da ênfase usual no Plano Piloto e sua icônica arquitetura, para entender a formação no passado e também entender as possibilidades de futuro da capital federal.
“Há uma longa tradição de estudos sobre desfavelamento com foco sobretudo nos contextos do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas poucos sobre o modo como se deu esse processo aqui”, reflete a docente Maria Fernanda Derntl.
Ela explica que a intenção de reafirmar o caráter de capital planejada levou a contínuos esforços de remoção de favelas e assentamentos. Tais práticas foram decisivas para definir o caráter da urbanização metropolitana, que emergiu e afetou a vida de boa parte da população mais pobre.
“A gente não trabalha com uma mera contraposição entre o planejado e o não planejado, o que foi idealizado e o real. Buscamos entender o discurso e como a iniciativa governamental deu vazão a certas invasões, como conseguiu conter alguns aspectos ou incentivar outros", comenta Nádia Mendes, que faz pós-doutorado com pesquisa relacionada às cidades coloniais goianas, a partir de uma perspectiva de gênero.