FUMAÇA NOS PULMÕES

Sonda meteorológica móvel do Projeto Prometeu captou níveis de contaminação até 16 vezes maiores que os valores de referência estabelecidos pelo Conama

Incêndio gerou colunas de fumaça que se espalharam pela parte norte da capital federal. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Neste mês de setembro, o Parque Nacional de Brasília enfrentou um incêndio que destruiu mais de 2 mil hectares de sua área. O combate durou cinco dias e um dos principais efeitos sentidos pela população foi a queda acentuada da qualidade do ar, devido à dispersão de poluentes causada pela fumaça do incêndio.

A rotina da capital foi alterada, nos lares, nos comércios e nas instituições educacionais – a UnB chegou a suspender atividades. O parque está situado em localidade próxima à Asa Norte, região do Plano Piloto em que está o campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília.

Vivenciando a situação crítica, o professor Carlos Henke, do Departamento de Ecologia da UnB, foi a campo monitorar o padrão de poluição da atmosfera da Asa Norte. Em duas incursões realizadas no dia 17 de setembro, o Projeto Prometeu, vinculado ao Instituto de Ciências Biológicas (IB), captou, por meio da utilização de uma sonda meteorológica móvel, níveis de poluição severos.

Com os dados em mãos, o docente realizou uma análise qualitativa, visando gerar compreensão sobre o cenário, provocar o debate sobre políticas de prevenção a incêndios e aprimorar a reação de autoridades em eventos futuros.

PICOS ALARMANTES – Além do monitoramento móvel, Henke se baseou em dados do sensor de monitoramento de qualidade do ar instalado na Escola Classe 115 Norte. É possível visualizar o monitoramento desta unidade, administrada por cientista da USP, pela internet. O gráfico do sensor mostrou três picos de dispersão de partículas decorrentes do incêndio, entre 16 e 18 de setembro.

Trajeto monitorado com a sonda móvel Obá (inspirada na orixá guerreira, em homenagem às mulheres combatentes de incêndios) percorreu a região norte do Plano Piloto, em 17 de setembro. Imagem: Reprodução

 

“Tivemos exposições curtas, com concentrações muito elevadas de poluentes, que superaram mil microgramas por metro cúbico”, detalha Henke. A concentração máxima de poluente atmosférico do tipo material particulado fino admitida pela Resolução 506/2024 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em condições de referência é de até 60 microgramas por metro cúbico. A quantidade de 250 microgramas por metro cúbico já configura emergência.

“Eu começo a me preocupar quando sobe acima de 40 por um longo tempo de exposição”, diz o professor. No momento do fechamento desta matéria, em 24 de setembro, cinco dias após o incêndio ter sido controlado, o nível de poluição captado pela estação da Escola Classe 115 Norte é de 84 microgramas/m³.

O mapeamento móvel da poluição feito pelo Projeto Prometeu aconteceu na manhã de 17 de setembro – dia 4 do incêndio – e percorreu por duas horas trecho da UnB à Granja do Torto, retornando pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia). Nas proximidades do Parque Nacional, a sonda móvel do projeto captou índices máximos de 939 microgramas por metro cúbico de material particulado fino disperso na atmosfera.

CIÊNCIA A DISPOSIÇÃO – A análise do professor Henke, com exposições científicas sobre mecanismos atmosféricos em linguagem acessível, está disponível no canal do YouTube do Projeto Prometeu. “Seria bem importante que as pessoas conhecessem a meteorologia, porque ela explica muitas coisas e permite antever o comportamento de certos fenômenos”, afirma.

Carlos Henke elogiou o trabalho dos brigadistas. Neste mês eles também atuaram na Chapada dos Veadeiros, em parceria com o Centro UnB Cerrado. Foto: Vitor Saraiva/ICMBio

 

Nos comentários, internautas narram o mal-estar sentido durante os dias críticos, entre 14 e 19 de setembro. “Estamos há dias respirando fumaça”, denuncia Valéria Valadão. Também há queixas sobre ausência de política pública, local e nacional, sobre como proceder em caso de piora na qualidade do ar.

Durante a exposição, Henke ainda lamenta as perdas causadas pelo incêndio ao ecossistema e elogia o trabalho dos brigadistas.

“Os impactos à biodiversidade são imensuráveis. Foi um fogo muito intenso, mas controlado em cinco dias, enquanto há incêndios em outros estados que duram semanas. Se nós, em Brasília, tivemos essa sensação horrível de não conseguir respirar, imagina o que não é o trabalho do combatente florestal”, disse, criticando o não pagamento de adicional de insalubridade aos brigadistas.

Por fim, o cientista deixa um alerta: “O que aconteceu conosco aqui na capital do Brasil não pode ser uma lição esquecida. Incêndios florestais são terríveis, mas é possível prevenir. É preciso que o Estado invista recurso nos órgãos ambientais. Orçamento para órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) cortado significa incêndio estabelecido.”

 

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