
A Universidade de Brasília e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançaram, em 28 de março, o Observatório de Desaparecimento de Pessoas no Brasil (ObDes). O evento ocorreu no auditório da Reitoria e reuniu representantes do governo, especialistas e familiares de pessoas desaparecidas, reforçando a relevância da iniciativa para o aprimoramento de políticas públicas voltadas ao tema.
Simone Rodrigues, coordenadora do ObDes/UnB, destacou a complexidade do tema e a falta de dados abrangentes sobre o fenômeno no país. "Há uma enormidade de questões a serem enfrentadas porque há um desconhecimento sobre desaparecimento no Brasil. O filme Ainda estou aqui discute o desaparecimento político no período da ditadura, mas temos desaparecimentos ocorrendo todos os dias", alertou.
A pesquisadora citou a diversidade de casos. "Temos desaparecidos nas enchentes do Rio Grande do Sul, em Brumadinho, indígenas na Amazônia, conflitos fundiários na Bahia, por exemplo. É um quebra-cabeça complexo que exige pesquisa qualificada. Hoje, no Brasil, pouquíssimos pesquisadores se dedicam ao tema atual – não só ao histórico. Queremos que o observatório seja um centro de conhecimento para subsidiar políticas públicas eficazes, que atinjam o âmago do problema e atendam às demandas das famílias."
De acordo com dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), mais de 66 mil pessoas desapareceram no Brasil somente em 2024. Crianças, adolescentes, idosos, indígenas, pessoas em situação de rua, a comunidade LGBTQIA+ e jovens negros de periferias estão entre os grupos mais vulneráveis.
O ObDes tem como principal objetivo a produção de conhecimento sobre as dinâmicas, causas e circunstâncias dos desaparecimentos no país. Sob a coordenação da professora Simone Rodrigues, do Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA) do Instituto de Ciências Sociais (ICS), o projeto reúne 17 pesquisadores de diversas instituições do Brasil e busca oferecer subsídios para a formulação de estratégias de enfrentamento e mitigação do desaparecimento de pessoas.
FAMILIARES – "Meu filho desapareceu há 17 anos em São Paulo, deixando um filho de apenas três meses que, hoje, crio sozinha", relatou Josedalva Campioto, representante do Movimento Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas. Desde então, ela enfrenta a dor da incerteza e a falta de apoio do Estado, tendo que buscar informações por conta própria enquanto cuida do neto que herdou dessa tragédia familiar.
Josedalva destacou os desafios estruturais no atendimento às famílias. "O observatório é um avanço importante, mas precisamos de políticas efetivas como um cadastro nacional unificado e bancos de DNA que realmente cruzem dados entre familiares e corpos não identificados. As famílias não podem continuar abandonadas nessa busca", afirmou. Ela reforçou a necessidade de incluir os familiares na formulação das políticas de busca.

Também do Movimento, Mônica Bomfim é neta de um desaparecido político em 1975. Para ela, o observatório representa um avanço no tema. "Meu avô nunca pegou em armas. Foi preso, desaparecido e morto pelo governo, mas até hoje não sabemos como ou onde. Essa não é uma história só minha: foram milhares. O Brasil viveu mais tempo sob ditadura do que em democracia, e ainda engatinhamos para resolver esse passado."
Mônica Bomfim defendeu a necessidade de confrontar tanto os crimes do passado quanto os desaparecimentos atuais. "Enquanto o Brasil não enfrentar seu passado de desaparecimentos políticos, não resolverá os casos atuais", disse. "O observatório deve olhar para todas as vítimas – dos porões da ditadura às ruas de hoje. Só a verdade pode curar essas feridas abertas." Ela argumentou que a falta de respostas sobre os crimes históricos cria um padrão de impunidade que persiste até os dias de hoje.
PARCERIA – A reitora Rozana Naves destacou o simbolismo da data do lançamento do observatório, que coincidiu com o aniversário de Honestino Guimarães, estudante desaparecido durante a ditadura militar e que hoje dá nome ao Diretório Central dos Estudantes da UnB. "Este projeto se soma à nossa campanha institucional Conhecimento e Movimento, reforçando o papel da Universidade na produção de saberes que promovam transformação social", afirmou.
A reitora ponderou sobre a importância da parceria com o poder público e da participação direta das famílias nas pesquisas. "Assim como fizemos com a Comissão da Verdade, a UnB se coloca à disposição para contribuir na elucidação dos casos, tanto do passado quanto dos desaparecimentos atuais, que exigem um olhar multidimensional e ações coletivas", concluiu, citando o escritor Miguel de Cervantes: "Enquanto houver batalhas, haverá esperança".

A coordenadora do Comitê Gestor da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Bruna Martins Costa, pontuou o papel do observatório da UnB como ferramenta estratégica para políticas públicas. "Este espaço de pesquisa vai qualificar nosso trabalho intersetorial, integrando dados que vão desde a assistência às famílias até a eficácia nas buscas", explicou, mencionando os diagnósticos realizados em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
A coordenadora adjunta de Proteção da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Patrícia Badke, enfatizou a metodologia de trabalho da organização. "Nossa experiência em 90 países comprova que só políticas construídas com as famílias atingem resultados concretos", afirmou, citando a parceria com a UnB como modelo de abordagem multidisciplinar para o tema. Ambas reforçaram que o observatório surge como ponte entre conhecimento acadêmico e ação governamental.
O evento também contou com uma palestra ministrada pelo ex-secretário executivo adjunto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Ariel Dulitzky, que abordou a responsabilidade internacional do Brasil no combate ao desaparecimento forçado. Ele enfatizou a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de busca e de proteção às vítimas e suas famílias.