Pioneira na adoção de ações afirmativas para a inclusão de pessoas negras em seus cursos de graduação ainda em 2004, a Universidade de Brasília aproveita o contexto de comemoração da primeira década de existência da Lei nº 12.711 de 2012, conhecida como Lei de Cotas, para buscar agora a internacionalização do debate.
Durante este mês de agosto, o Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Nelis/Ceam) promove o Simpósio Políticas de Ação Afirmativa no Ensino Superior da América Latina. Serão seis encontros ao todo – alguns realizados simultaneamente de forma presencial e virtual –, que contarão com estudiosos brasileiros e representantes de outros seis países: Equador, México, Argentina, Bolívia, Colômbia e Peru.
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“É importante enfatizar o papel que tem hoje a internacionalização dentro dessa discussão de políticas afirmativas e dentro da própria Universidade”, afirmou a docente Maria de Fátima Makiuchi, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (PPGDSCI), ao participar da abertura do simpósio nesta segunda-feira (1º), no Auditório da Reitoria.
“Essa troca de saberes, produção de conhecimentos e intercâmbio entre pesquisadores é fundamental para que consigamos estruturar e discutir esses conhecimentos, e produzir novos conhecimentos a respeito dos desafios, que de certa forma são comuns, principalmente na América Latina”, opinou.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH), Elen Geraldes, acredita que não basta haver uma legislação para que os direitos sejam plenamente exercidos. Para ela, é necessário ter também educação e representatividade midiática e comunicacional.
“Nesse aspecto, as políticas de ação afirmativa possibilitam a existência, a afirmação, a consolidação e a efetivação dos direitos humanos, porque elas trabalham com o acesso à cultura, ao conhecimento, à educação, de grupos que muitas vezes foram deixados de lado, foram excluídos e não tiveram as portas da universidade abertas. Com as ações afirmativas, estabelece-se um marco de inclusão na nossa Universidade”, destacou.
Elen ressaltou ainda a importância de se debater e avaliar os riscos às políticas afirmativas, por não estarem ainda plenamente assentadas ou totalmente consolidadas, as condições de permanência, e como as universidades se preparam para acolher e incentivar esses jovens.
“Com essa perspectiva de ser uma discussão latino-americana, que aprendamos com outras experiências, que possamos crescer com elas, influenciar e sermos influenciadas. Estamos juntos para discutir, viver e lutar por essas políticas”, defendeu a professora.
A internacionalização do debate e o acolhimento amoroso foram ponto forte da fala do diretor do Ceam, Mário Brasil, ainda na mesa de abertura do evento.
“Esse desafio é muito importante porque a internacionalização tem por trás algo muito maior. É o olhar amoroso para o outro, para o diferente, para exatamente aquilo que este simpósio trata. O olhar amoroso para o diferente é que nos faz ter a necessidade de nos internalizarmos”, declarou.
A presidenta da comissão organizadora do simpósio, Elizabeth Ruano Ibarra, mencionou que desde outubro de 2021 trabalha na construção de parcerias e articulações interinstitucionais para oportunizar a interlocução com especialistas dedicados a estudar os avanços e empecilhos para garantir o direito humano ao ensino superior na América Latina.
“Ações afirmativas são políticas orientadas para corrigir desigualdades políticas, econômicas, étnico-raciais e de gênero. Apenas 35% dos países latino-americanos – sete entre 20 países – têm ações afirmativas no ensino superior. Além do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, México, Peru e Uruguai”, destacou a docente.
PROTAGONISMO – A reitora da UnB, Márcia Abrahão, ressaltou o pioneirismo e o sucesso da Universidade na implantação de ações afirmativas há 18 anos. Segundo ela, existe hoje a intenção de seguir avançando e ampliando o alcance das medidas.
“As ações afirmativas vão muito além das cotas para ingresso na graduação; também temos cotas para a pós-graduação (aprovamos em 2020) e temos que ampliar para outras ações afirmativas. Por exemplo, ter mais mulheres em cursos de ciências exatas. Já existem universidades com cotas para meninas nas engenharias em que temos menos de 30% de mulheres. Estamos trabalhando com outras universidades para ver isso”, comentou no primeiro dia do Simpósio Políticas de Ação Afirmativa no Ensino Superior da América Latina.
Márcia Abrahão também destacou o avanço das ações afirmativas para incluir indígenas na Universidade e a relevância de se debater a política educacional neste momento.
“A Lei de Cotas agora completa dez anos. É importante discutir esse desafio que se impõe neste ano para que não haja retrocesso. Não podemos nos acomodar. Nosso país ainda tem uma democracia jovem, precisamos fortalecer essa democracia para que tenhamos essas políticas ampliadas.”
Para a docente da Faculdade de Educação da UnB Catarina Santos, que apresentou a palestra Política de cotas raciais na UnB: o acesso de negros na universidade entre 2004 e 2012, num mundo em que as desigualdades são permanentes, a lógica é que processos de inclusão como esses não sejam temporários.
“O objetivo das ações afirmativas era instaurar no espaço acadêmico um mecanismo reparador das perdas infringidas à população negra no Brasil. A UnB foi a primeira universidade federal a aprovar as cotas para minorias étnico-raciais. Precisamos ter em consideração que isso desencadeou um conjunto de outras ações, incentivou outras universidades a desenvolverem outras ações nesse sentido, a ponto de chegarmos em 2012 e aprovarmos uma lei para todas as instituições federais de educação instituírem também as cotas”, ressaltou a educadora.
Catarina Santos defendeu que se debata a lógica da inclusão levando em consideração também questões pedagógicas e a realidade dos alunos, que hoje são estudantes trabalhadores. Ela lembrou ainda que a política de ações afirmativas, no decorrer dos anos, contribuiu para uma mudança na sociedade e na política educacional. Houve também mudança no perfil dos estudantes na UnB – em 2012 eram 13,8% pretos e 27,8% pardos; em 2019, a soma de pretos e pardos correspondia a 47,8% –, e nas demais universidades – dados de 2020 mostram 836.056 negros e 826.013 brancos nas instituições públicas de ensino superior.
“A UnB já incluía em 2012, antes inclusive da implementação da Lei de Cotas, um total de 41% de estudantes negros, o que já é mais do que o dobro do que incluía no ano 2000, antes da implementação das leis raciais na Universidade de Brasília”, analisou.
“Quando garantimos que os estudantes negros e negras acessem esse espaço, isso gera uma cadeia de acesso a outros lugares. Só por meio do acesso à educação que temos pessoas com acesso também em outros espaços, sendo amicus curiae [amigo da corte] no Supremo Tribunal, fazendo incidência em outros lugares, atuando como pesquisadores e pesquisadoras nas universidades. Então, as políticas de ação afirmativa, de cotas sociais e raciais, nos possibilitam acessar outros espaços para além da própria universidade”, concluiu Catarina Santos.
PRÓXIMOS ENCONTROS – O Simpósio Políticas de Ação Afirmativa no Ensino Superior da América Latina seguirá com encontros remotos nos dias 8, 15, 22 e 29 de agosto. Para conferir a programação e participar, basta acessar a página do Ceam, onde também é possível se inscrever.
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