POVOS ORIGINÁRIOS

Todos nascidos no Amazonas, participantes falaram sobre trajetória e desafios até ocuparem espaço na Universidade; Semuni vai até 2 de setembro

Mesa com Verenilde Pereira, Altaci Rubim, Gersem Baniwa e Oziel Ticuna abriu a Semana Universitária 2022 e alavancou debate sobre a presença indígena na Universidade. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB

 

A abertura da 22ª Semana Universitária foi um momento de afirmação da presença dos povos indígenas na Universidade de Brasília. A mesa-redonda Universidade de Darcy Ribeiro desde a perspectiva dos povos indígenas foi realizada na segunda-feira (29), no Memorial Darcy Ribeiro (Beijódromo), e teve a participação dos dois primeiros professores indígenas da UnB, Altaci Rubim (IL) e Gersem Baniwa (ICS), da escritora afroindígena Verenilde Pereira e do estudante indígena Oziel Ticuna.

 

Primeira professora indígena da UnB, Altaci Rubim relembrou a trajetória que culminou com o protagonismo dos povos tradicionais em um dos maiores eventos da UnB: “Sessenta anos depois, nós indígenas estamos aqui sentados em cadeira de honra”.

 

Nascida em Santo Antônio do Içá, Amazonas, a penúltima de 15 irmãos, ela falou da infância e adolescência na aldeia Jacurapá, tanto das memórias boas quanto das invasões a terras e más condições de trabalho que a fizeram procurar outra vida em Manaus. Depois de cinco anos de estudo e trabalho, Altaci ingressou na Universidade Estadual do Amazonas (UEA): “Não parei mais de estudar”.

 

Passando pelo mestrado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pelo doutorado em Linguística na UnB, a professora sabe que está fazendo história. “Estou nesse espaço privilegiado”, disse. “Um dos sonhos de Darcy Ribeiro era que os saberes indígenas chegassem à UnB”.

 

E chegaram. A integrante do povo kokama já coordenou pesquisas sobre a política linguística de vitalização da língua kokama e projetos de extensão sobre o fortalecimento da herança linguística e cultural dos povos nativos do Brasil. Nesta edição da Semuni, ela também ofereceu uma oficina de jogos pedagógicos indígenas.

 

A valorização das línguas indígenas é fundamental para a identidade dos povos. Gersem José dos Santos Luciano – conhecido por Gersem Baniwa – contou da proibição de falar sua própria língua materna, o nheengatu, em escola missionária localizada nas proximidades da aldeia Carará-Poço, no município de São Gabriel da Cachoeira. “Nessa escola colonialista e racista, sofríamos castigos absurdos, moralmente, como deixar a gente um dia sem comer”, disse.

Público acompanhou atento solenidade de abertura no Beijódromo. Atividade marca volta da Semuni à presencialidade. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB

 

Apesar disso, não traz ressentimentos. “Foi esse tipo de formação escolar missionária que me fez chegar até aqui”, disse. Desde o início, Gersem foi um dos líderes de sua aldeia Baniwa, com atuação política como dirigente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e da atual Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e nas políticas públicas: foi secretário de Educação de São Gabriel da Cachoeira entre os anos de 1997 e 1999, depois gerente técnico de Projetos Indígenas no Ministério do Meio Ambiente (MMA) entre 2000 e 2003 e coordenador-geral de Educação Escolar Indígena no Ministério da Educação de 2007 a 2011.

 

Gersem Baniwa classificou o momento como revolucionário. “Há 15 anos, quem pensaria em uma mesa formada por indígenas para a abertura da Semana Universitária? Seria uma heresia”, comentou. “Mas Darcy Ribeiro sonhava com isso.”

 

Segundo ele, Darcy dedicou sua vida aos povos tradicionais e era um dos poucos não indígenas que acreditava na capacidade e na qualidade dos indígenas. “A UnB está ampliando conhecimento, valores, possibilidades de vida, existência e futuros. Está mostrando como é possível ter outra universidade”, avaliou.

 

“Nós indígenas estamos aqui, sempre estivemos. Anos atrás, estávamos do lado de lá, apesar de a Universidade não ter muros”, disse. “Estamos aqui atrás de conhecimento, mas também para lutar pelos nossos direitos.”

 

Para o professor, as pinturas com base de jenipapo e urucum não são apenas arte ou estética, mas simbolizam um compromisso de luta e guerra pela vida.

 

Um dos 185 estudantes indígenas na graduação da UnB – as 45 etnias representadas na UnB também contam com 35 pós-graduandos –, Oziel Ticuna defendeu a luta pela visibilidade das culturas tradicionais dentro da universidade, principalmente por meio das redes sociais. “É importante que todos nós indígenas valorizemos nossa cultura na sala de aula, para alcançarmos os estudantes não indígenas”, declarou. “Estou aqui representando não só minha etnia, mas todos os povos.”

Verenilde Santos Pereira (esq.) sobre Darcy Ribeiro: “Ele fala de como um país escravocrata fez desses grupos a matéria-prima dessa máquina de gastar gentes”. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB

 

“É uma alegria estar aqui com vozes amazônicas”, comemorou Verenilde Santos Pereira, escritora afroindígena filha de mãe negra e pai da etnia sateré mawé. Doutora em Comunicação pela UnB, ela é autora da coletânea de contos Não da maneira como aconteceu (2002) e do romance Um rio sem fim (1998), que será reeditado pela Companhia das Letras em 2023.

 

O romance pioneiro, praticamente impossível de encontrar nas lojas e mesmo nos sebos, traz como protagonista uma jovem afroindígena e nasceu durante a pesquisa de mestrado da autora. “Queria que esses objetos entrassem nesses corredores e falassem, mas estavam mortos. Tive apenas uma saída, a literatura”, explica Verenilde.

 

Falando sobre as violências sofridas por negros e indígenas no Brasil, com diversos casos recentes, Verenilde questionou o que tem Darcy Ribeiro a ver com isso. “Ele fala de como um país escravocrata fez desses grupos a matéria-prima dessa máquina de gastar gentes”, disse. “Se é arrancada da gente a dignidade humana, nós vamos virar uns zé-ninguéns.”

 

SEMUNI – As inscrições para a 22ª edição da Semana Universitária da Universidade de Brasília estão abertas. O evento acontece de 29 de agosto a 2 de setembro em todos os campi da UnB – Darcy Ribeiro (na Asa Norte), Planaltina, Ceilândia e Gama. São mais de mil atividades presenciais, gratuitas e abertas para todos os públicos: minicursos, oficinas, workshops, palestras, exposições, rodas de conversa, entre outras.

 

>> Confira todas as programações da Semuni 2022

 

A Semana Universitária terá como temas o centenário de Darcy Ribeiro e as comemorações dos 60 anos da UnB. Os interessados em participar e receber certificados precisam se inscrever via Sistema Integrado de Gestão de Atividades (Sigaa). Para realizar a inscrição, basta se cadastrar no sistema e acessar a lista de atividades e os horários.

 

Confira a transmissão da abertura e da mesa-redonda:

 

Leia também:

>> Abertura da Semuni evoca memória de Darcy Ribeiro

>> Semana Universitária começa com jogos pedagógicos indígenas e debate sobre cotas

>> Corrida celebra 60 anos da UnB e 50 anos do HUB

>> Semuni começa nesta segunda (29)

>> Semana Universitária terá programação na Quinta Cultural

>> FCE e FGA completam 14 anos

>> Série de atividades promove saúde e bem-estar durante a Semana Universitária

>> Reitora recebe embaixador do Paquistão

>> Medidas garantem segurança da comunidade acadêmica

>> Protocolos auxiliam na notificação de casos de covid-19

>> Guias ajudam a garantir a segurança da comunidade no retorno presencial

>> UnB cria fundo para doações de combate à covid-19

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.