Na semana em que Darcy Ribeiro, um dos fundadores da Universidade de Brasília, completaria cem anos, a instituição volta às aulas com intensa programação para dar as boas-vindas aos novos discentes e homenagear o legado de uma das figuras emblemáticas para a educação e a antropologia brasileira. A já tradicional aula inaugural do semestre, #InspiraUnB, ocorre na segunda-feira (24), um dia antes do início das atividades acadêmicas, e vai contar com a participação do jornalista e escritor Eric Nepomuceno.
O palestrante conviveu de perto com Darcy Ribeiro e irá dividir com os estudantes, em conversa às 17h, no anfiteatro 9 do Instituto Central de Ciências (ICC), um pouco das histórias vividas com o antropólogo e as perguntas que nunca fez a ele. Mais tarde, às 19h30, é a vez de Nicolas Behr recepcionar os calouros. A programação de acolhimento tem início às 16h, no mesmo local.
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Eric Nepomuceno organizou a coleção de ensaios Darcy no bolso, publicada pela Fundação Darcy Ribeiro e Editora UnB, e está escrevendo um perfil biográfico de Darcy Ribeiro, com lançamento previsto para 2023.
Além disso, tem uma vasta carreira como tradutor: são mais de 60 livros passados do castelhano para o português. Alcançou o segundo lugar no prêmio Jabuti, na categoria não ficção, com o livro O massacre, sobre a matança de sem-terras em Eldorado do Carajás. Como tradutor, ganhou duas vezes o Jabuti: por Doze contos peregrinos e por As armas secretas. Com a tradução de Cem anos de solidão, obteve o terceiro lugar.
Confira, abaixo, a entrevista que ele concedeu à Secretaria de Comunicação da UnB sobre sua relação com Darcy Ribeiro e a palestra no #InspiraUnB.
Como foi a sua relação com Darcy Ribeiro?
Meu pai, que era físico, Lauro Xavier Nepomuceno, foi um dos que Darcy convocou para construir a Universidade de Brasília. Eu lembro que eram grupos de cinco, vinham da arquitetura, economia, química, literatura, e o papai fazia parte do grupo da física, isso em 1958.
Naquela época, a gente morava em São José dos Campos, e volta e meia, quando meu pai ia para o Rio de Janeiro para se reunir com Darcy e aquele pessoal, ele me levava. Eu era garoto e ficava ali na sala esperando, e havia um cara baixinho que era falante. Primeiro ele escutava, anotava, anotava e depois ele desandava a falar. Aí eu sabia que minha tarde estava perdida.
Muitos anos depois, em 1985, eu estava fora do Brasil, mas volta e meia vinha para o Brasil. Eu fui encontrar no Rio [de Janeiro] o Eduardo Galeano, que era muito amigo de Darcy, dos tempos do exílio em Montevidéu, e Galeano me levou para ver Darcy, que, evidentemente, de mim não lembrava, mas lembrava bem do meu pai.
A partir daí, a gente não se desgrudou mais. Eu continuei fora do Brasil, depois tive que sair fugido da Argentina, quis voltar ao Brasil, não pude, e fui morar na Espanha. Lá por 1977, Darcy desandou a ir à Europa, para desandar com o Brizola. Como a colônia de brasileiros exilados em Madri era pequena e absolutamente unida – éramos eu, minha esposa e meu filho, que na época tinha três anos –, Madri virou o centro dos encontros de Brizola, Darcy e gente que vinha do Brasil, ou seja, gente que era oposição à ditadura.
Eu voltei ao Brasil em 1983 – Darcy era vice-governador do Rio de Janeiro. Eu o via pelo menos uma vez por semana, lembro muito do humor dele. O meu sobrinho Rodrigo tinha, na época, três anos de idade, e eu lembro que Darcy só chamava ele de Zeca porque dizia que Rodrigo era solene demais para uma criança e que ele só ia ser Rodrigo depois dos 15.
Foram momentos de alegria, de angústia, de derrota, de esperança, e a imagem que eu guardo de Darcy é de uma pessoa indignada. Eu lembro que Darcy me disse uma frase que marcou minha vida: “Na América Latina nós só temos duas opções: seremos indignados ou resignados, e eu não vou me resignar nunca”. E ele foi assim até o fim.
Você tem memórias do que ele esperava que a UnB se tornasse no futuro?
Darcy Ribeiro teve várias vidas. Ele foi antropólogo, indigenista, ensaísta, romancista, político, mas ele se definia, acima de tudo, como educador. E eu acho que a UnB resume vários aspectos desse Darcy educador. Ele queria uma universidade aberta, livre, sólida, que fosse a culminação de um projeto educacional que começava na escola primária.
Uma escola que tivesse além de aula, biblioteca, teatro, médico, dentista, esportes e alimentação. O sonho dele seria que o adolescente saísse de uma escola integral e culminasse em uma universidade de excelência.
Ao longo da história da UnB, que eu acompanho de longe, houve períodos em que esta se aproximou muito do sonho de Darcy e houve também momentos de retrocesso. Mas a coisa que eu acho mais importante de ressaltar é que, mesmo em momentos de retrocesso, a UnB soube voltar e erguer-se de novo, e ela está aí hoje.
Estamos nos aproximando do marco do centenário de Darcy, celebrado em 26 de outubro. Como é para você vir à UnB nesse período, enquanto escreve o perfil biográfico dele?
Eu preferi não pensar no aniversário da UnB, nem no centenário do Darcy, porque senão é uma carga muito grande para mim. Porque além do Darcy, tem o meu pai, os contemporâneos do meu pai, senão fica difícil. Se eu pensar nessa importância, eu desisto. Então, eu estou só indo conversar com os alunos.
Eu preparei uma espécie de lembranças do Darcy e, na verdade, eu vou falar sobre um texto que eu escrevi há muito tempo: As perguntas que eu nunca fiz [a Darcy Ribeiro]. Vou contar essas perguntas para quem for me ouvir.
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