REPARAÇÃO

Em reunião histórica, Conselho Universitário aprova a concessão do diploma post mortem ao estudante assassinado pela ditadura militar e anula o ato que o expulsou da Universidade em 1968

Bandeirão foi posicionado nas rampas da reitoria no dia em que o Conselho Universitário anulou a expulsão e concedeu diploma post mortem a Honestino Guimarães. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE

 

Sob aplausos que duraram mais de um minuto, o Conselho Universitário (Consuni) da Universidade de Brasília anulou a decisão que desligou Honestino Guimarães da UnB e aprovou, por aclamação, a concessão do diploma post mortem ao geólogo. A decisão foi tomada nesta sexta-feira (7), no Auditório da Reitoria. Honestino Guimarães é um dos nomes mais importantes do Brasil na luta contra a ditadura militar e na defesa da democracia, dos direitos estudantis e da autonomia universitária. Ele foi expulso da Universidade de Brasília em 1968, antes de concluir a graduação, e desaparecido pelo regime autoritário em 1973.

A reunião, que lotou o Auditório da Reitoria, foi marcada pela emoção. Este é o primeiro registro de diplomação post mortem da UnB. “A Universidade de Brasília sofreu muito com a ditadura militar, quando quase foi fechada. E, depois, em um momento muito difícil, nós perdemos estudantes, perdemos professores e perdemos Honestino Guimarães, estudante de Geologia. Temos esse compromisso histórico com a verdade. Isso representa não só a reparação ao Honestino, mas a tudo que ele representa. Eu, como geóloga formada pela Universidade de Brasília, tenho esse compromisso com meus colegas e com Honestino, que, tenho certeza, seria um excelente geólogo”, destacou a reitora Márcia Abrahão.

Decano de Ensino de Graduação, Diêgo Madureira leu seu parecer favorável à anulação da decisão de desligamento de Honestino Guimarães da UnB e à concessão do diploma post mortem ao geólogo. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE

 

“O simbolismo desse ato transcende esses aspectos mais diretamente relacionados ao próprio Honestino para compor uma inequívoca mensagem da instituição a toda a sociedade, deixando explícito o compromisso da UnB com a justiça, a democracia e a história, a despeito daqueles que insistem em contestar os fatos de inúmeras formas testemunhados de um período sombrio no nosso país, um negacionismo que precisa ser combatido com todas as forças, sobretudo em respeito a cada vítima, direta ou indireta, da ditadura, a cada mãe que sofre a perda prematura de um filho ou a eterna angústia de seu desaparecimento, a cada pessoa torturada por insistir em fazer valer seu direito de ser livre para discordar, a cada instituição também ferida pelo autoritarismo e a cada ser humano que condena a barbárie”, disse o decano de Ensino de Graduação, Diêgo Madureira, durante a leitura do parecer que recomendou a aprovação da proposta. O parecer foi aplaudido de pé por todos os presentes, que entoavam as palavras de ordem: “Honestino presente!”

O vice-reitor Enrique Huelva avaliou que a memória de Honestino Guimarães impacta até hoje a atuação da Universidade de Brasília. “Ficou muito claro que o que nos inspira há décadas é um estudante. A gente não tem como mudar aquilo que foi, mas podemos trazer para o presente, repará-lo, dignificar a nós e a Universidade e construir um futuro em que esses elementos da história não se repitam nunca mais”, comentou.

Reitor da UnB entre 2009-2012, José Geraldo de Sousa Junior salientou a resistência política da UnB desde sua fundação e principalmente durante o regime de repressão. “A ditadura militar sempre escolhe um alvo preferencial, que é o pensamento crítico, e trabalha com métodos como a censura, a tortura e a morte. Ainda não superamos o negacionismo, que insidiosamente se instalou como uma postura antidemocrática, antipovo, anticiência. Um ato como esse reforça a nossa responsabilidade com a verdade estabelecida no livre intercâmbio das ideias”, analisou. Foi na gestão de José Geraldo que houve a criação da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB.

A reitora Márcia Abrahão, geóloga formada pela Universidade de Brasília, ressaltou seu compromisso com sua unidade e com seus colegas geólogos. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE

 

O diretor do Instituto de Geociências (IG) – unidade na qual Honestino estudava e que aprovou em seu conselho a concessão do diploma –, Welitom Borges, vê a concessão do diploma a Honestino Guimarães como mais um marco no legado da UnB.

“A gente está fazendo história com esse reconhecimento de um estudante de graduação que sempre lutou pela igualdade social e foi abruptamente extraído da nossa sociedade. Isso para o IG é extremamente gratificante, e mais gratificante ainda é isso ser realizado na gestão da reitora Márcia Abrahão, que é geóloga. É um reconhecimento histórico diante desse movimento antidemocrático que houve no Brasil e que a gente espera que nunca volte. Todos os estudantes de geologia veem o Honestino como um símbolo de luta”, disse.

Durante a reunião, três estudantes falaram como representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE), que leva o nome de Honestino Guimarães. “Para nós, Honestino é uma figura central de inspiração. Quando entrei na Universidade, conheci a história e a trajetória de luta de Honestino. Que Honestino não seja apenas o nome de um estudante que se foi”, ressaltou o representante do DCE André Doz. “Honestino nos mostrou que nós devemos ser resistentes e lutar até o fim. Honestino ainda vive, ele está aqui. Todos os dias, nós aprendemos com Honestino”, reforçou a também representante do DCE Milena Moraes.

Representantes do DCE Honestino Guimarães. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE

 

Representante da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), Eliene Novaes afirmou que a memória do estudante de Geologia assassinado pela ditadura militar está cravada em diversos espaços da UnB. “Mataram Honestino, mas não sabiam eles que Honestino era uma semente e que cada um de nós, da Universidade de Brasília, é fruto da luta e da história de Honestino contra qualquer tipo de ditadura e cessão de direito”, citou.

A decana de Extensão, Olgamir Amancia, destacou a “coragem, ousadia e insurgência” da Universidade de Brasília em anular a expulsão e conceder o diploma post mortem. “Honestino é símbolo dessa caminhada, que não pode ser interrompida, de luta pela democracia. Com certeza, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro estão comemorando esse ato.” A decana lembrou da importância do movimento estudantil em defesa da educação, no qual Honestino Guimarães teve intensa participação, sendo presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB e da União Nacional dos Estudantes (UNE).

MEMÓRIA – Em março de 2024, a reitora Márcia Abrahão, familiares, amigas, produtores do filme sobre a vida de Honestino, membros da administração superior, o ex-presidente da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB) professor Jacques de Novion, o diretor do Instituto de Geociências (IG), Welitom Borges, e o ex-reitor José Geraldo de Sousa Junior se reuniram para tratar dos trâmites da diplomação.

Honestino Monteiro Guimarães nasceu em 28 de março de 1947, em Itaberaí/GO. Ele foi o primeiro colocado no primeiro vestibular para Geologia realizado na UnB, em 1965, e presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília, em 1968. No mesmo ano, o estudante foi preso na invasão militar da UnB, sendo solto meses depois, e expulso da Universidade. Entre 1968 e 1973, Honestino viveu na clandestinidade. Em 1973, foi sequestrado, aos 26 anos, não sendo mais visto. A confirmação pública de sua morte ocorreu em 1996. O corpo nunca foi encontrado.

Em novembro de 2023, o Conselho Universitário da UnB divulgou nota manifestando-se pela elucidação do desaparecimento de Honestino, cinquenta anos depois do ocorrido.