A Universidade de Brasília deu um passo adiante para contribuir para o enfrentamento à desinformação e à proliferação de discursos de ódio na internet. Junto a outros 34 centros de pesquisa e grupos de reflexão em todo o mundo, a instituição passou a integrar a Rede Global de Conhecimento para uma Internet de Confiança (do inglês, Internet for Trust Global Knowledge Network – I4T). Instituída em fevereiro em seminário da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a iniciativa auxiliará a traçar caminhos para melhor governança das plataformas digitais.
“O objetivo é reunir especialistas e pessoas interessadas para pensar possibilidades e implicações de propostas para regulamentação das redes sociais”, sintetiza a professora da Faculdade de Ciências da Informação (FCI/UnB) Michelli Costa, convidada a participar da rede.
ENTENDA O CONTEXTO – Desde 2021, a Unesco e parceiros têm mobilizado discussões em âmbito internacional para estabelecer ações orquestradas focadas na regulamentação das plataformas digitais. “Já existiam vários fóruns de discussão que vinham problematizando os efeitos desse uso solto das redes sociais no processo de desinformação e seu impacto social”, explica a professora da FCI.
Em 2023, a organização promoveu a conferência Internet For Trust, para discussão do assunto, com a presença mais de 4 mil pessoas. O encontro teve como desdobramento a publicação, em novembro daquele ano, das Diretrizes para a governança das plataformas digitais. O texto, com versões elaboradas desde 2022, recebeu mais de 10 mil comentários de atores de 134 países.
São cinco as diretrizes enumeradas no documento, que preveem medidas a serem tomadas pelas empresas, Estados, universidades, sociedade civil, organizações e outros atores sociais. Os princípios apontam necessidade de diligência dos direitos humanos pelas plataformas, com a devida avaliação de riscos; a adesão às normas internacionais de direitos humanos em suas políticas de moderação e curadoria de conteúdos; e a promoção de transparência.
Ainda, ressaltam a importância da disponibilização de informações e ferramentas com acessibilidade e na língua do usuário, e a responsabilidade das plataformas junto aos usuários e não usuários, com a criação de mecanismos para denúncia e reparação em relação aos conteúdos publicados.
A Rede Global de Conhecimento I4T desenvolverá pesquisas, avaliações e propostas para implementação dessas diretrizes, bem como para fiscalização e responsabilização das plataformas em suas condutas. A docente Michelli Costa frisa que este desafio será pensado numa análise por região, de olho nos diferentes contextos culturais e socioeconômicos e nas especificidades dos diferentes países.
“O que as diretrizes querem fazer é pensar na governança das plataformas digitais, garantindo o acesso à informação, a liberdade de expressão das pessoas e – obrigatoriamente – o respeito aos direitos humanos na comunicação via plataformas digitais", comenta Michelli Costa. Ela ressalta, ainda, que esse compromisso e cuidado devem ser reforçados para garantir, sobretudo, a expressão e o respeito a grupos socialmente vulneráveis e marginalizados.
>> Confira entrevista com teórico Teun van Dijk sobre discursos racistas e antirracistas
PARTICIPAÇÃO ACADÊMICA – A implementação das diretrizes ocorrerá a partir de diversas frentes de trabalho na rede, que envolvem grupos para pensar a preservação da integridade eleitoral nos países; a aplicação das diretrizes diante de momentos de crise, como o de guerras; as expectativas da população e dos envolvidos nos processos decisórios para regulamentação das plataformas; e o mapeamento das redes de conhecimento e de governança na temática.
Segundo Michelli, a UnB, a partir do Grupo de Pesquisa Estudos e Práticas da Informação (PPGCINF/FCI/UnB), estará envolvida na produção de conhecimento e levantamento de informações que possam subsidiar as discussões sobre o assunto. Coordenado pela docente na FCI, o grupo é dedicado atualmente a investigações em ciência aberta.
“A Universidade, enquanto espaço privilegiado e com responsabilidade na produção de conhecimento, precisa estar presente nas ações daquilo que vai ter impacto na sociedade. E, nessa discussão, o que tenho para oferecer é o meu conhecimento sobre as dinâmicas na ciência, como esse tema tem sido debatido do ponto de vista da literatura científica, das legislações e das redes de conhecimento que estão se formando sobre o tema”, aponta.
As atividades da rede ainda estão em planejamento e uma próxima reunião deve ocorrer ainda em março.
TRAJETÓRIA NA ÁREA – Pesquisadora na área de ciências abertas, Michelli Costa atuou, em 2018, junto à OGP (sigla para Open Government Partnership), iniciativa internacional que opera com parcerias interinstitucionais para pensar propostas de ações e políticas para tornar o governo mais aberto e transparente.
Atualmente, também lidera o grupo de pesquisa Informação para Inovação, Sustentabilidade e Monitoramento (Insumo), do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), que tem articulado um projeto nacional para combate à desinformação no Brasil.
Desde 2020, a docente coordena o projeto de extensão Comunica Mulher, que trabalhou, entre outras frentes, na promoção de informação sobre a covid-19, durante a pandemia, em uma comunidade na Cidade Estrutural, região administrativa do Distrito Federal.
“A gente começou a promover informação sobre checagem de fatos e comecei a investigar sobre o que era esse fenômeno das fake news nas redes sociais”, menciona o trabalho como pontapé para aprofundar-se na temática.