Sob o mote Mulheres no contexto da pandemia: elas fazem a diferença, a primeira mesa-redonda do Mês da Reflexão exaltou a parceria inédita entre duas grandes instituições de ensino superior do Distrito Federal: a Universidade de Brasília e o Instituto Federal de Brasília (IFB). Com transmissão ao vivo pela UnBTV, a mesa de abertura desta segunda-feira (8) contou com a participação das reitoras da UnB e do IFB, ambas fazendo história por serem as primeiras mulheres a ocuparem o cargo máximo de suas instituições.
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Jurista e professora da Faculdade de Direito (FD), Ela Wiecko foi uma das convidadas. Conhecida por sua luta em defesa das mulheres, com destaque para o projeto Maria da Penha, ela lembrou a importância e o simbolismo do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. “Na primeira comemoração, em 1911, em quatro países da Europa, mais de meio milhão de pessoas saíram às ruas clamando pelo voto feminino e por direitos trabalhistas”, contextualizou.
Embora o voto esteja consolidado hoje, a docente reforça que ainda não há equidade entre homens e mulheres na participação política. “As condições de trabalho pioraram no contexto da pandemia. Homens e mulheres enfrentam a precarização das relações de trabalho, mas para as mulheres, principalmente as negras, a realidade é brutal.”
Citando Simone de Beauvoir, Wiecko declarou: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes, você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”.
Diretora da Diversidade (DIV/DAC), Susana Xavier agradeceu a equipe pela organização do evento, que considera ser crucial para “emplacar um debate tão necessário sobre a situação das mulheres dentro da sociedade”.
Ao longo das discussões, Susana Xavier destacou questões a serem observadas no contexto pandêmico, como a intensificação da violência doméstica, a desvalorização do trabalho da mulher no lar e o adoecimento de professoras em todo o país, especialmente do ensino fundamental, em razão das novas exigências trazidas pelo ensino remoto.
SER MULHER NA PANDEMIA – Reeleita durante o período de distanciamento social, ensejado pela pandemia de covid-19, a reitora da UnB Márcia Abrahão refletiu sobre a desigualdade de gênero, que sempre existiu, mas vem se aprofundando no último ano. “Há dados recentes do IBGE que já apontam que metade das brasileiras está fora do mercado de trabalho”, lamentou.
“Oito de março é uma data simbólica para celebrar as muitas mulheres que fizeram e fazem história. Nossas professoras, técnicas e estudantes contribuem diariamente para a excelência da Universidade. Nós, mulheres, imprimimos qualidade e especificidade em tudo que fazemos”, disse, complementando que, na UnB, a expectativa é aprofundar o debate sobre a participação da mulher na ciência e em cargos de gestão.
Embora a presença da mulher na Universidade de Brasília seja equilibrada considerando-se os três segmentos, quando se analisa cargos mais altos, como direções das unidades acadêmicas, há uma disparidade: dos 26, apenas oito são dirigidos por mulheres.
Márcia Abrahão lembrou ainda que apesar de muitas das pesquisas relacionadas à covid-19 serem protagonizadas por mulheres, a mídia ainda entrevista mais pesquisadores homens. Para se ter uma ideia da participação feminina na pesquisa, dos mais de 600 grupos de pesquisa da UnB, mais da metade são coordenados por mulheres.
“A maioria das cientistas começa a carreira em condições de igualdade com homens e depois ficam pelo caminho. Por acumularem tarefas profissionais e domésticas, elas se sobrecarregam. Os efeitos são ainda mais perversos para as mulheres negras, indígenas ou de regiões periféricas”, mencionou a reitora da UnB.
Reitora do IFB, Luciana Massukado aproveitou a oportunidade para parafrasear Kamala Harris, em seu discurso de posse como vice-presidente dos Estados Unidos: “Nós somos as primeiras reitoras de grandes instituições de ensino superior do DF, mas não seremos as últimas.”
Para Massukado, a missão é deixar um legado para as futuras gerações, sendo exemplo de que “é possível alcançar espaços de fala, de decisão e de poder”. A diferença, em sua opinião, já acontece quando duas mulheres reitoras se unem para fazer uma programação integrada entre duas instituições.
“Aqui fica nossa responsabilidade e compromisso de dar continuidade a essas discussões, contra o sexismo e o patriarcado, combatendo todos esses preconceitos com lucidez”, enfatizou. Massukado acredita que pequenas ações contribuem para construir um país com mais equidade de gênero e de justiça social. Ela defende incentivar redes de solidariedade entre mulheres e conscientizar a sociedade sobre o papel feminino nas diferentes esferas.
O debate também contou ainda com a participação da estudante de História e dirigente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB, Monna de Sousa, que ressaltou a atuação das trabalhadoras de saúde nos últimos meses. “Essas mulheres estão na linha de frente. Sabemos que a maioria dos técnicos de enfermagem são mulheres e por isso precisamos pedir por vacina ampla e gratuita, especialmente agora em que a negação da ciência é tão forte.”
Sobre a importância desse movimento, a graduanda acredita que o intuito é conseguir conquistar batalhas diárias que não devem ser romantizadas. Citando Rosa Luxemburgo – “lutamos por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” –, ela define o movimento feminista como a constante busca pela liberdade e contra todo tipo de opressão.
RESPIRO POÉTICO – “A poesia é algo visceral, ela diz respeito à vida humana, diz respeito à alma humana, é um estar no mundo, um lugar de experimentação, de vivência, daquilo que fui, daquilo que sou, daquilo que serei”, refletiu a professora do Instituto de Letras (IL) Ana Rossi. Também tradutora e poeta, ela foi convidada para o momento artístico da abertura e recitou quatro poesias de sua autoria.
Em sua visão, a poesia é uma arte cuja ferramenta é a linguagem: “É uma expressão que vem de dentro de mim. Nesse sentido, dizer poesia é um testemunho e testemunhar é dizer o que sinto, como sinto e do jeito que sinto; isto é, escolhendo as minhas palavras, organizando-as a meu modo e isso tem a ver com a minha expressão e a minha liberdade de expressão”, sintetizou.
Confira um dos poemas lidos por Ana Rossi relacionando a mulher ao contexto atual:
“Esfarrapadas, esculhambadas, encabuladas minhas visões
renascem no sem aglutinação possível do agora pandêmico
visões bíblicas correm soltas e durante meses e meses
eu, sozinha, não, sozinha não, eu comigo mesmo,
aprendo a ver meus farrapos, um a um,
depois, dois a dois e depois todos eles juntos
hoje sei um pouco mais quem sou, de onde vim e para onde vou
não escondo mais meus farrapos que fazem parte de mim”
A docente mantém uma página onde compartilha sua obra: ana-poesia-poesie.
Confira a íntegra do evento:
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