“Não esquecer para que não aconteça novamente.” Foi a mensagem deixada pelos participantes da mesa de abertura do seminário O espectro golpista e a democracia como construção permanente – 60 anos do golpe de 1964. Realizado na manhã desta segunda-feira (1°), no recém-inaugurado Espaço da Memória da Universidade de Brasília (SG-10), o evento reuniu pesquisadores, sociedade e parlamentares para um dia de debates.
A reitora Márcia Abrahão destacou a presença do vice-reitor Enrique Huelva e da equipe de decanas e decanos para demonstrar a importância do momento para a gestão e para a UnB. “Desde o início da gestão, estamos fazendo vários normativos para resguardar a UnB de uma eventual mudança, voltando à época das pessoas que defendiam a linha dura da Universidade. Com diferentes matizes. Algumas vestidas de cordeiro, mas que não tenhamos dúvidas do seu compromisso com o passado.”
Para o deputado distrital Gabriel Magno (PT), a democracia ainda precisa de defesa e vigilância. “A gente viu recentemente, não só no golpe contra Dilma, em 2016, mas no 8 de janeiro, que a democracia brasileira infelizmente ainda não está consolidada. A democracia brasileira é muito frágil.”
Egresso da UnB, Magno ressaltou o protagonismo da Universidade na história do país. “Seja na resistência à ditadura militar, seja nos momentos de ampliação de direitos, como a implantação das cotas raciais e a democratização do acesso, com a expansão da Universidade. A UnB sempre esteve presente nesses momentos mais cruciais da vida, da democracia brasileira e dos direitos de todos e todas.”
A deputada Érika Kokay (PT) lembrou de quando foi expulsa da Universidade, em 1977, por mostrar resistência à ditadura militar. Conforme relatou, olhar o passado é necessário para entender o que o Brasil vivenciou e seguir em frente. “É assim que a gente pode resgatar nossa própria história, para que nós possamos recuperar o sentimento de pertença, que foi tão corrompido durante a ditadura militar. Nos arrancaram o direito de colocarmos o verde e amarelo nas nossas roupas. E nós estamos vivenciando o retorno dessa lógica golpista, de tentar romper o processo democrático”, declarou a deputada.
A reitora lembrou que a UnB pretende entregar o diploma post mortem de graduação à família e amigos de Honestino Guimarães, estudante do curso de Geologia desaparecido durante a ditadura militar. “Essa é uma parceria com o Instituto de Geociências, com movimentos da sociedade, com a Comissão da Verdade para fazermos de uma forma bem fundamentada, para não haver questionamentos.”
IPOL, ICH E DEX – A atividade foi organizada em parceria pelo Decanato de Extensão (DEX), o Instituto de Ciência Política (Ipol) e o Instituto de Ciências Humanas (ICH). “A Universidade de Brasília tem a tradição de se comprometer em fazer com que essa história não se perca na sua caminhada. O Golpe de 64 é a expressão de uma disputa permanente de dois projetos de sociedade, daqueles que querem um Brasil para o seu povo, daqueles que querem um Brasil democrático, um Brasil que valorize o indígena, o negro, a mulher, o quilombola, que valorize a sua gente, que coloque as suas riquezas a serviço do seu país, e daquele outro que não quer um Brasil para nós”, destacou a decana de Extensão, Olgamir Amancia.
Criada pouco antes do golpe de 1964, a Universidade de Brasília teve a sua história e projeto de universidade fortemente marcado pela violência desse regime, lembrou a diretora do ICH, Neuma Brilhante. “A nossa Universidade foi invadida várias vezes, tivemos professores presos e três desaparecidos políticos entre nossos discentes. Isso é muito marcante e é preciso pensar nesse passado não para comemorar positivamente, mas para pensar em que sociedade nós somos, que sociedade permitiu a experiência ditatorial durante 21 anos. O passado não precisa ser remoído, mas precisa ser repensado e criticado”, disse Neuma.
Theotonio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra, professores do Ipol anistiados após o fim da ditadura, foram homenageados pela diretora do instituto, Marisa Von Bulow. “A gente tem muita consciência de um duplo desafio permanente. Precisamos resgatar a memória, não deixar esquecer, homenagear todos e todas que lutaram contra a ditadura militar. E, ao mesmo tempo, o compromisso do presente e do futuro que é estar permanentemente aprimorando a democracia brasileira. As dicotomias falsas entre passado e futuro não têm espaço. A medida dos nossos sonhos para o futuro é dada pelo sofrimento do passado, pelos aprendizados do passado”, finalizou a diretora.
MEMÓRIA – A decana de Extensão, Olgamir Amancia, destacou a importância do Espaço da Memória da UnB, o SG-10: “Uma memória viva que se coloca em movimento para debater a história do nosso povo, da nossa gente, cumprindo a missão da nossa Universidade”.
A reitora Márcia Abrahão lembrou que o SG-10 foi o local de trabalho do arquiteto Oscar Niemeyer. “Em várias paredes temos os desenhos originais de Oscar Niemeyer. Um espaço que, na sua origem, já mostrava a sua inovação, a própria arquitetura do prédio foi uma inovação para a época. Por isso reafirmamos a importância de estarmos aqui.”
PROGRAMAÇÃO – Após o momento de abertura, foi realizada a mesa-redonda Espectros do golpe e a democracia que queremos, com a presença da diretora do ICH, Neuma Brilhante, mediação do coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/UnB), Antonio Marcos Moreira. Houve ainda palestras da professora do ICH e diretora de Desenvolvimento Social do Decanato de Assuntos Comunitários (DDS/DAC), Eloisa Barroso, e do professor do Ipol e decano de Pós-Graduação (DPG), Lucio Rennó.
Durante o dia, foram realizadas diversas intervenções artísticas pelo campus Darcy Ribeiro, para mobilização crítica contra o golpe de 1964, entre elas, a instalação do projeto Memórias da ditadura, com exposição de fotos e projeção de filmes.