DE OLHO NAS OLIMPÍADAS

Lançada pela Faculdade de Educação Física da UnB, plataforma foi desenvolvida em parceria com o Instituto Federal de Goiás

Investimentos em esportes de alto rendimento no Brasil variaram de acordo com os diferentes governos na esfera federal. Na imagem, Wendell Belarmino, atleta paralímpico que usufruiu das estruturas da UnB para treinamento. Foto: Miriam Jeske/CPB

 

Em parceria com o Instituto Federal de Goiás (IFG), o grupo Avante de pesquisa e formação sociocrítica em educação física, esporte e lazer, da Faculdade de Educação Física (FEF) da UnB, disponibiliza o portal Transparência no Esporte.

A ferramenta permite conhecer origem, montante e direcionamento dos recursos públicos federais para o esporte de alto rendimento no Brasil. Assim, é possível acompanhar melhor a atuação do Estado nesse setor, embasando reivindicações de aprimoramento e investimento em políticas públicas.

Formalizado como projeto de extensão na UnB, o portal Transparência no Esporte tem sido atualizado ano após ano desde o seu lançamento, em 2018. "Qualquer pessoa pode consultá-lo, pois é de fácil visualização e compreensão", diz o professor da FEF Fernando Mascarenhas. "O portal é muito utilizado por pesquisadores e, principalmente, por jornalistas", destaca.

Além do total de recursos investidos no esporte, desde o ano de 2003, o portal traz dados orçamentários, extraorçamentários e de gastos tributários relacionados ao setor e informação sobre o destino dos recursos: preparação de atletas de alto rendimento, projetos esportivos, educativos, de lazer e inclusão social, reforma e construção de espaços e equipamentos esportivos, gestão e manutenção de instituições esportivas e realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.

ANÁLISE – Dos R$ 3,06 bilhões investidos em 2023, por exemplo, mais da metade (R$ 1,71 bilhão) proveio de isenções tributárias e desonerações de entidades recreativas sem fins lucrativos. Outros R$ 994,98 milhões (32,51% do total investido), de receitas extraorçamentárias, como é o caso de patrocínios e repasses das loterias esportivas. E apenas R$ 355,69 milhões, o que representa 11,62% das verbas, vieram diretamente do orçamento federal.

"Partimos da premissa de que conhecer o financiamento público é uma chave interpretativa importante para entender como têm se materializado as políticas públicas para o esporte no país, sendo estas fruto de disputas de diferentes interesses que atravessam o Estado brasileiro”, diz o professor do IFG Fernando Henrique Carneiro. “Além de priorizarem questões distintas, diferentes governos ao longo do tempo criaram novas fontes de financiamento ou focaram em algumas delas”, destaca.

Para o professor do IFG Fernando Henrique Carneiro, conhecer o financiamento público é uma chave interpretativa importante para entender como têm se materializado as políticas públicas para o esporte no país. Foto: Arquivo pessoal

 

Ele conta que, nos governos Lula I e II (2003 a 2011), por exemplo, a principal fonte de financiamento era o orçamento público e que tanto o esporte de alto rendimento quanto o esporte como direito eram prioridade. Naquele período, teve início a agenda dos grandes eventos esportivos.

Nos governos Dilma (2011 a 2016), a fonte do orçamento público foi diminuindo, enquanto a extraorçamentária e os gastos tributários foram se ampliando, tendo sido priorizado o esporte de alto rendimento e os grandes eventos.

Já nos governos Temer (2016 a 2019) e Bolsonaro (2019 a 2022), as fontes de gastos tributários e extraorçamentárias passaram a ter centralidade no financiamento do esporte, tendo sido direcionadas para o esporte de alto rendimento e para o esporte como direito.

PARTICIPAÇÃO – A investigação, a coleta, o tratamento e a organização dos dados do portal contaram com a participação de diferentes pesquisadores do Avante. Entre eles, a professora do Instituto Federal do Sul de Minas Cláudia Pereira; durante seu mestrado na UnB, o hoje doutorando em Educação Física da UnB Marcelo Teixeira; o professor do IFG Fernando Henrique Carneiro, ex-aluno de doutorado na UnB; e Wagner Matias, também ex-aluno de doutorado na UnB, falecido vítima da pandemia de covid-19.

Sob orientação do professor Fernando Mascarenhas, o trabalho ainda rendeu um prêmio, em 2019, para Fernando Henrique Carneiro no III Concurso de Artigos Científicos da Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados. Em 2023, outro artigo sobre o portal foi premiado na sexta edição do mesmo prêmio.

DE OLHO NAS OLÍMPIADAS – Estudos sobre o financiamento federal do esporte de alto rendimento no país também têm sido desenvolvidos pelo grupo Avante. De acordo com os dados do portal, o valor investido na preparação dos atletas para as olimpíadas de Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016, Tóquio 2020 e, agora, Paris 2024 foi de R$ 2,64 milhões, R$ 6,01 milhões, R$ 7,76 milhões, R$ 6,52 milhões e R$ 3,06 milhões, respectivamente. A maior parte dos recursos vieram das loterias, desonerações tributárias e do patrocínio de estatais federais.

Parte da equipe que desenvolveu o portal Transparência no Esporte. Foto: Arquivo pessoal

 

Também no portal Transparência no Esporte é possível conferir o valor investido pelo governo federal, de 2005 a 2023, no programa Bolsa Atleta, que beneficia diretamente esportistas com bons resultados em competições nacionais e internacionais.

Em 2014, o programa investiu a maior soma de recursos, cerca de R$ 247 milhões. Em 2023, o investimento foi de aproximadamente R$ 84 milhões. Cabe ressaltar que o Bolsa Atleta é o principal programa do governo federal voltado para o esporte de alto rendimento no país.

Outra informação trazida pelo portal é o valor investido nos atletas olímpicos e paralímpicos. Para a Rio 2016, por exemplo, investiu-se, de 2013 até os jogos daquele ano, mais de R$ 600 milhões. Para a Olimpíada de Paris, que acontece este ano, o valor investido é de R$ 153 milhões. Os dados referentes a 2024, contudo, só devem ser consolidados no início do próximo ano.

Ao longo do tempo, segundo Fernando Henrique Carneiro, o esporte de alto rendimento foi a manifestação do esporte que mais obteve recursos públicos federais, muito por conta do lobby de entidades de administração esportiva e de clubes, sobretudo de futebol. O poder de setores capitaneados por essas entidades foi fundamental, inclusive, para que o Brasil sediasse grandes eventos esportivos, caso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 e da Copa do Mundo de Futebol Masculino de 2014.

O professor Fernando Mascarenhas vê o esporte como um direito inscrito na Constituição e crê que, como tal, deveria ser acessível a todos os brasileiros e brasileiras ao longo de toda a vida. “As medalhas deveriam ser consequência dessa conquista social", diz. Foto: Arquivo pessoal

 

Ele lembra que o esporte é um direito previsto na Constituição Federal de 1988 que deve ser priorizado pelo Estado brasileiro. “Para que esse direito seja exercido de fato, é essencial que a alocação dos recursos públicos seja feita nessa área. O que se observa, no entanto, é que o financiamento do esporte como direito foi escanteado frente a outros interesses, sobretudo, os do esporte de alto rendimento”, aponta.

O professor da UnB Fernando Mascarenhas reitera a importância do esporte no dia a dia de cada cidadão. “Em termos de abrangência, para quem o esporte ou a atividade física chega no Brasil? Estima-se que menos de 5% de quem o pratica, faça-o competitivamente”, observa.

“No entanto, algo próximo de 70% de todos os recursos investidos no esporte são destinados ao alto rendimento. Isso é bom? Posso dizer com toda certeza que não. Sem um planejamento mais sistêmico, o Brasil gasta muito e gasta mal com o esporte de alto rendimento”, acredita.

“Claro que queremos ver nossos atletas no pódio em Paris. As histórias pessoais de superação por trás de cada conquista são inspiradoras e nos enchem de orgulho. Contudo, com a visibilidade que o esporte de alto rendimento possui em termos de propaganda e publicidade, acaba-se por valorizar mais a medalha do que a cidadania do esporte”, critica.

 

A ferramenta foi elaborada com o apoio do CNPq, de 2015 a 1017, durante o desenvolvimento da pesquisa O financiamento do esporte: aspectos da atuação estatal nos governos Lula e Dilma (2003-2014). Imagem: Reprodução

 

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.