HOMENAGEM

Desde a infância com uma veia educadora, docente aposentada do Departamento de Música é reconhecida por contribuições na formação discente e em pesquisas na área

Nascida em Fortaleza (CE), a professora gravou um disco LP em 1982 intitulado Música Maranhense para Canto e Piano, com a participação de Olga Mohana. Imagem: Reprodução/UnBTV

 

“Não tenho a verve de falar em público, tampouco para cantar.” Com essas palavras, Mércia de Vasconcelos Pinto, a mais nova professora emérita da Universidade de Brasília, iniciou o seu discurso prosaico e cantado, acompanhado por um teclado, na solenidade de outorga do título, na tarde desta terça-feira (10).

 

A cerimônia virtual teve transmissão no canal da UnBTV no YouTube e foi presenciada por familiares, amigos e colegas de profissão. A outorga foi aprovada em dezembro de 2019, durante reunião do Conselho Universitário (Consuni) da Universidade.

 

Mércia, que sonhava em ser poeta, recontou a sua história em uma narrativa digna de se tornar livro. Aliado àquilo que sabe muito, a música, a emérita cantou trechos de João Gilberto, Maysa, Maria Bethânia e Carmen Costa para ilustrar passagens de sua vida, principalmente quando criança, em Fortaleza, no Ceará.

 

Deixou também seus agradecimentos à instituição e dedicou o título a seus alunos, com quem, em sala de aula, "encontrou o seu lugar ao mundo". "Agradeço à UnB, e especialmente ao Departamento de Música, que me acolheu entre seus professores, que me permitiu realizar sem censuras boa parte dos meus sonhos, que tolerou o meu jeito de ser, debochada, irônica e bagunceira", declarou a homenageada.

 

>> Por falar em personalidade arrojada, na série especial 60 anos em 60 segundos, da UnBTV, Hamilton de Holanda elegeu um episódio vivido junto à professora Mércia Pinto como o mais marcante em suas experiências na UnB

 

Convidados ressaltaram o trabalho da professora na área de pesquisa e ensino, assim como as contribuições pessoais e os anos de amizade. “Com você eu aprendi a olhar o outro com um olhar diferenciado. Um olhar que é humano, sensível e compreensivo. Um olhar que é muito importante para a pesquisadora e para a professora”, disse a amiga Maria Cristina Cascelli, professora do Departamento de Música (MUS) do Instituto de Artes (IdA) da UnB.

 

Além da presença de Maria Cascelli, a comitiva da homenageada contou com a professora Elba Braga Ramalho, da Universidade Estadual do Ceará; Martha Tupinambá de Ulhôa, professora do Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; a professora da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia Alla Dadaian; e Flávia Narita, professora do MUS.

 

TRAJETÓRIA – Desde os sete anos de idade em contato com a música, Mércia Pinto contou com a grande influência da mãe, que era poetisa. “Minha mãe me levou somente uma vez [às aulas de música], para que eu aprendesse o caminho da casa da professora”, contou, relembrando o dia em que iniciou a sua jornada musical. “Boa parte da minha existência, da procura do meu lugar no mundo, deu-se na medida em que realizava diariamente aquele longo trajeto para ter aulas de música.”

A fala da professora emérita emocionou os presentes e recebeu uma grande salva de palmas, além de vários comentários via chat de quem acompanhou a solenidade. Imagem: Reprodução/UnBTV

 

Aos 13 anos, como lembrado pelo orador da solenidade, o professor Ebnezer Nogueira, começou a dar aulas de piano em sua própria casa. Aos 16, sob orientação de uma professora, Mércia passou a dar aulas no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, e, em 1962, aos 18 anos, teve o registro e a carteira profissional assinada pela Ordem dos Músicos do Brasil.

 

Nesse ano, iniciou os estudos na graduação em Serviço Social, o que não a afastou da música. Continuou dando aulas e venceu um concurso de piano promovido pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, na categoria Jovens Pianistas. Após formar-se em Serviço Social, Mércia Pinto assumiu o cargo de professora de Música e Folclore no curso de formação de professores da Secretaria.

 

A docente questionava o papel da arte na sociedade durante a ditadura militar. Ainda universitária, ela foi membro do Centro Popular de Cultura (CPC), tendo participado de passeatas, reuniões e debates sobre a conjuntura nacional à época. "A música popular e o teatro encontravam-se em ebulição permanente, e Mércia fez parte da equipe coordenadora de dois festivais de música popular, eventos que contribuíram para o surgimento e a revelação de novos compositores no Ceará", destacou Ebnezer Nogueira sobre realizações da docente no período.

 

Em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 foi baixado, e a professora foi afastada de suas funções na Escola Normal do Estado do Ceará. Dez anos depois, foi convidada a estudar música em Berlim, na Hochschule für Musik. Ao voltar para o Brasil, assumiu as aulas de piano e flauta doce na Escola de Música do Estado do Maranhão.

 

Morou no Convento de São Francisco, em São Luís, por três anos e meio. Mudou-se, em seguida, com o arquiteto Frank Algot Eugen Svensson para a Suécia, onde fez a sua formação de mestrado na Universidade de Lunds. Iniciou o doutorado pelo Departamento de Musicologia na mesma instituição em 1988, sem poder concluí-lo.

 

Voltou ao Brasil em 1989, com o fim do regime militar e a Lei da Anistia. Dois anos depois, iniciou a carreira de professora na Universidade de Brasília, ministrando disciplinas teóricas, como Piano Suplementar, Harmonia e Contraponto, Técnicas de Iniciação Musical e Oficina Básica de Música.

 

Mércia continuou utilizando os seus conhecimentos em prol da sociedade. Ela desenvolveu um projeto de extensão no qual os alunos de Técnicas de Iniciação Musical aplicavam os conhecimentos adquiridos para musicalizar as crianças. A estabilidade profissional proporcionada pela UnB possibilitou que a docente concluísse o doutorado em Música Popular, na Universidade de Liverpool, na Inglaterra, em 1997.

 

A docente foi membro da comissão que instituiu o mestrado em Música do MUS. Hoje aposentada, ela ainda contribui com a formação musical dos alunos da UnB, sendo pianista correpetidora do Projeto de Extensão de Ação Contínua Ópera Estúdio, coordenado pela professora Irene Bentley.

 

Confira a cerimônia de outorga do título:

 

*estagiário de Jornalismo na Secom/UnB.

 

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