Com o fim do primeiro semestre de 2024, encerrou-se também o prazo de cinco anos de acompanhamento de mais de mil pessoas pela Universidade de Brasília em testes relacionados à eficácia e à segurança da vacina do Instituto Butantan contra a dengue (Butantan-DV).
Depois de receberem a dose única do imunizante (ou de placebo, para parte delas), cada uma das 1.203 pessoas, com idade entre dois e 59 anos, comparecia rotineiramente à Unidade Básica de Saúde (UBS) 1 de São Sebastião para avaliação, em um espaço cedido especificamente para a pesquisa, em parceria com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Elas também tinham de comparecer toda vez que tivessem febre, para identificar se estavam, ou não, com a doença. As amostras eram coletadas na UBS e transportadas para o laboratório do Núcleo de Medicina Tropical da UnB para o devido processamento. Além disso, testes moleculares para detectar a infecção por dengue também eram feitos em parceria com outros centros de estudos para avaliar cada quadro com profundidade.
Este protocolo foi realizado em todo o país em um total de 16.235 voluntários – a vacina foi administrada, de fato, em 10.259 pessoas, em dose única, e o restante delas recebeu placebo.
Após dois anos de acompanhamento, verificou-se que a vacina do Butantan oferecia uma eficácia de 79,6% para evitar a doença. No caso daqueles que haviam contraído dengue antes do estudo, a proteção foi de 89,2%. Já em pessoas que nunca tinham tido contato anterior com o vírus, a eficácia foi de 73,6%.
Em relação à segurança da Butantan-DV, das mais de 10 mil pessoas que receberam o imunizante no país, apenas três apresentaram eventos adversos graves (menos de 0,1%), e todos se recuperaram totalmente.
PRÓXIMOS PASSOS – Agora que a coleta de dados e informações dos participantes foi encerrada, a expectativa é a de que a consolidação dos cinco anos de estudo esteja concluída até o final deste ano para ser submetida à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A meta é que a vacina esteja em condições de ser produzida em larga escala nos primeiros meses de 2025.
“O desenvolvimento de vacinas é uma área que precisa estar sempre em movimento, seja para a adequação das vacinas já existentes nas novas plataformas propostas ou para a produção de vacinas para novas doenças”, pontua a professora do Departamento de Biologia Celular do Instituto de Ciências Biológicas (Cel/IB/UnB) Anamélia Lorenzetti Bocca.
“Os dados publicados sobre a vacina desenvolvida pelo Butantan são bastante promissores e ela pode apresentar uma resposta melhor na população do que a que está disponível neste momento”, avalia.
VANTAGENS – O professor Gustavo Romero, diretor da Faculdade de Medicina (FM/UnB), lidera os estudos da Universidade referentes à vacina do Butantan. Ele destaca que, quando for liberado, o novo imunizante – que também oferecerá proteção contra os quatro sorotipos da doença –, terá algumas vantagens em relação aos que hoje estão disponíveis à população brasileira.
“É uma vacina de dose única, e isso aumenta muito a probabilidade de as pessoas se vacinarem, porque não terão de voltar. A segunda questão é que não teremos de rastrear se a pessoa teve ou não dengue previamente para poder se vacinar”, elenca.
Outro diferencial da Butantan-DV será a faixa etária, que passará a abranger crianças de dois e três anos de idade. Hoje só é possível imunizar aquelas com quatro anos ou mais.
“A meta que gostaríamos de cumprir seria uma altíssima cobertura da população vacinada contra a dengue. Isso depende, como todos sabemos, de que a vacina esteja disponível, de que a população tenha disposição para se vacinar, de que o produto seja facilmente distribuído e aplicável. E, por isso, novamente, é uma vantagem a vacina ser de dose única, que facilita sua aplicação”, resume o docente.
Segundo Romero, o país estará realmente protegido contra a dengue quando 95% da população estiver vacinada.
“Infelizmente, a população nos últimos anos foi, digamos, ‘bombardeada’ com um certo desestímulo para a vacinação pari passu àquele esforço enorme que se fez também para estimular a vacinação no contexto da pandemia de covid. Então, ainda vivemos uma ‘ressaca da desconstrução’ que houve em relação àquilo que as pessoas tinham por vocação: o povo brasileiro tinha essa vocação de buscar a vacina ou de, quando procurado para se vacinar, aceitar a vacinação”, analisa.
O professor da UnB também afirma que a vacinação contra a dengue pode ser uma oportunidade para restaurar a cultura da busca da vacina como um mecanismo de proteção, principalmente para doenças que podem causar letalidade significativa.
“Quando o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde preconizam a vacinação, temos uma mensagem confiável. Porque tudo o que dizia respeito àquela apreciação entre os riscos e os benefícios que se tem em relação à vacinação já foi resolvido, no sentido da conclusão de que aquilo de fato tem um enorme benefício comparado aos baixos riscos que podem significar tomar vacina”, reforça Gustavo Romero.
ATUAÇÃO CONJUNTA – A parceria entre Universidade de Brasília e Instituto Butantan já vem desde o final de 2016, quando ambos passaram a trabalhar juntos em prol do desenvolvimento da vacina contra a dengue.
A competência demonstrada pelo Núcleo de Medicina Tropical da UnB no esforço de montar equipes para desenvolver protocolos complexos, como a vacinação, e de acordo com as boas práticas clínicas pré-qualificou a Universidade para atuar nos testes da Butantan-DV. Além disso, em dado momento, também a qualificou para participar dos ensaios de fase 3 da Coronavac, vacina do Butantan contra o novo coronavírus, causador da covid-19.
“Tem sido uma relação ganha-ganha. Eles conseguiram conosco um centro que zela pelas boas práticas clínicas e a Faculdade de Medicina conseguiu abrir uma oportunidade de capacitação para egressos que têm interesse na área de pesquisa. A experiência foi muito boa”, conclui o diretor da FM, Gustavo Romero.
O ensaio clínico da vacina da dengue do Instituto Butantan é um dos maiores estudos clínicos conduzidos inteiramente no Brasil, envolvendo 16 mil voluntários em 16 centros de pesquisa espalhados por 14 unidades federativas ao longo de seis anos.
O trabalho como um todo ocorre desde 2009, quando o Butantan licenciou a tecnologia do Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH).
“O país tem maturidade para juntar mais do que uma dezena de instituições públicas para desenvolver um ensaio clínico que leva milhares de participantes a serem voluntários dentro de um estudo como este. É uma demonstração de que o setor público em conjunto é extremamente forte para dar soluções”, finaliza o docente da UnB.