Imagine uma equipe de cerca de 40 pesquisadores de vários locais do Brasil, em sua maioria biólogos dedicados ao estudo do Cerrado a partir de pesquisas com animais terrestres e aquáticos, plantas, mudanças climáticas, inventários biológicos e restauração ecológica, entre outros temas, se deslocarem para uma expedição de coleta de dados no interior do país.
Imagine as semanas de preparação com a compra de materiais, organização de planilhas de custos, viagem de reconhecimento de área, hospedagens, aluguel de automóveis, equipamentos para internet, alimentos, etc.. E de repente, no meio da viagem, você recebe uma carta com a notícia de que uma das agências financiadoras da pesquisa não vai mais repassar o valor acordado. Mais especificamente R$ 2.576.634, que representam cerca de 70% da verba de Capital e 80% da verba de Custeio aprovada para o projeto.
Foi assim que, no dia 29 de novembro, a equipe da Rede Biota Cerrado recebeu uma carta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) comunicando a decisão da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) de não repassar os recursos destinados ao INCT Biota Cerrado.
O grupo de pesquisadores, coordenado pelo professor do Instituto de Ciências Biológicas da UnB Guarino Colli, está em expedição na região da Lagoa do Cassó, município de Primeira Cruz (MA) desde o dia 18 de novembro, conduzindo um inventário da biodiversidade numa das últimas fronteiras do Cerrado. Segundo Colli, a não participação da FAPDF em Acordo de Cooperação Técnica com o CNPq inviabiliza a pesquisa do INCT Biota Cerrado, que foi aprovado na Chamada CNPq nº 58/2022.
CONSEQUÊNCIAS – “A falta de garantia do compromisso da FAPDF inviabiliza as atividades do INCT Biota Cerrado, já que os recursos de Custeio e Capital são vitais para o projeto e sacrificam as pesquisas deste bioma que é um dos mais ameaçados do planeta e, hoje, o mais ameaçado do país, com acelerado processo de degradação das paisagens naturais”, afirma Guarino Colli.
O não cumprimento da parcela acordada e aprovada pela FAPDF também afeta dezenas de pesquisadores de ponta, muitos deles bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq, que fazem parte de instituições de ensino e pesquisa distribuídas por todo o Brasil, o que impossibilita a execução do projeto. São pesquisadores que se submeteram às regras de um edital público, passaram por um processo seletivo, abdicaram de outros editais e/ou empregos para se dedicar ao projeto e agora encontram-se em uma situação de insegurança.
De acordo com Guarino Colli, além dos projetos dos bolsistas serem afetados, o que impacta fortemente a formação de recursos humanos, que é um dos pilares do processo de soberania científica brasileira, a recusa em honrar o compromisso do pagamento por parte da FAPDF acaba por dar seguimento ao “sucateamento” e “desmonte” da infraestrutura de pesquisa no país que ocorreu nos últimos anos. “Esse sucateamento alcançou desde equipamentos essenciais para a coleta e análise de dados no campo e em laboratórios até aqueles necessários para a manutenção de acervos biológicos em coleções científicas”, afirma Colli.
Desde dezembro de 2022 o projeto tem atuado apenas com recursos do CNPq e da CAPES, com os quais conseguiu recuperar equipamentos para manutenção de acervos científicos e adquirir equipamentos e insumos para a coleta de dados em campo e laboratório, além de implementar muitas bolsas (CAPES) para conduzir inventários biológicos, estudar os efeitos das mudanças climáticas e do fogo sobre biodiversidade, e propor estratégias para a restauração ecológica, além de promover o engajamento público com a Ciência.
Tudo isso com foco na biodiversidade do Cerrado, o bioma brasileiro com maior taxa de substituição das paisagens naturais por áreas antrópicas (principalmente agricultura e pastagens).
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