COOPERAÇÃO

Professor Ricardo Titze, da FAV, esteve à frente do treinamento de equipe da unidade, agora certificada para a realização dos testes

Parceria entre UnB e HFA amplia a rede de testagem da covid-19 no DF, com a adoção de técnica padrão-ouro. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Desde a evolução da pandemia do Sars-CoV2 em território nacional, um dos maiores desafios tem sido identificar, em maior escala, a presença do vírus em indivíduos com sintomas da covid-19. A dificuldade ocorre, principalmente, por falta de profissionais capacitados para realizarem o procedimento e em função dos poucos laboratórios autorizados a processar, em tempo real, os exames laboratoriais denominados PCR (do inglês, Polymerase Chain Reaction). Esses testes são considerados padrão-ouro para determinar a presença de ácidos nucleicos do vírus causador da covid-19 em fluido humano.

 

Para contribuir com a ampliação da rede de testagem, o professor da Universidade de Brasília Ricardo Titze-de-Almeida, coordenador do Laboratório de Tecnologias para Terapia Gênica da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV), esteve à frente do treinamento da equipe do Hospital das Forças Armadas (HFA) para a adoção da técnica de RT-PCR (sigla completa do teste). As iniciais RT referem-se à etapa de transcrição reversa, processo em que, a partir do RNA do vírus, formam-se moléculas de DNA complementar ou cDNA.

 

A preparação da equipe foi o primeiro passo para o hospital se tornar uma unidade apta a realizar os testes, com o reconhecimento do Ministério da Saúde. O certificado foi assinado pelo diretor do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen/DF), Jorge Chamon, no fim da primeira semana de junho e atesta a qualidade técnica para a realização dos exames.

 

Segundo o professor Titze, a iniciativa começou pelo contato entre ele e uma de suas orientandas de doutorado, a major Adriana Ribeiro, que lidera equipe interna do laboratório de pesquisa da Diretoria Técnica de Ensino e Pesquisa do HFA. A diretoria está sob comando do brigadeiro médico Geraldo José Rodrigues. Antes da pandemia do novo coronavírus, o professor e a major estavam engajados em uma pesquisa sobre câncer de mama que também utilizava o PCR como metodologia diagnóstica.

 

Com o avanço da disseminação do vírus e a necessidade de melhorar o potencial de testagem para a covid-19, os planos tiveram que ser alterados. “Com a chegada da covid-19, a prioridade foi trabalhar nesta força-tarefa para ajudar o país a superar a epidemia. O contato com o HFA foi muito produtivo, então a transferência de temas do câncer de mama para a pesquisa da covid-19 foi muito rápida, em particular porque os fundamentos e as etapas da técnica de PCR são os mesmos, independente da amostra em análise”, relata o professor, que também é membro do Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de combate à covid-19 (Copei) da UnB.

Certificado emitido pelo do Lacen/DF atesta qualidade técnica do HFA para testes RT-PCR. Foto: Reprodução

  

A parceria contou também com a assistência do Lacen/DF, que participou da orientação dos protocolos de biossegurança, treinamento e validação dos resultados para futura emissão de laudos oficiais. A proposta de colaboração entre as instituições foi materializada a partir da participação do professor Ricardo Titze em um edital de prospecção da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) que, à época, representava uma perspectiva de financiamento na ordem de R$ 30 milhões para vários projetos da UnB.

 

Naquele momento, o Copei, junto aos decanatos de Pesquisa e Inovação (DPI) e de Extensão (DEX), também lançou chamada prospectiva de projetos da UnB para combate à covid-19, à qual a iniciativa do docente foi submetida e aprovada entre as dez melhores. O projeto recebeu financiamento do Ministério da Educação, o que viabilizou o trabalho de colaboração e montagem de uma estrutura, com a biossegurança necessária, para a realização do PCR de Sars-CoV2 em um laboratório do HFA dedicado a pesquisas de interesse social.

 

EXAME – O teste de PCR destaca-se não apenas pela sua precisão e especificidade, mas pela complexidade do processo, que demanda equipamentos e profissionais treinados para a sua realização. O professor Ricardo Titze explica, resumidamente, as principais etapas desta técnica de biologia molecular.

 

Segundo o docente, primeiro é realizada a coleta da amostra da região nasal do paciente, utilizando-se a técnica de swab (equipamento semelhante a um cotonete), pois neste local há adequada presença do vírus infectante em pessoas com covid-19. A amostra é levada em meio de transporte próprio até o laboratório.

 

Uma vez lá, a equipe faz a extração do RNA do vírus com o uso de tratamentos químicos específicos, de colunas e centrifugações. Após este processo de purificação do RNA viral, o material deverá estar completamente livre de outros constituintes que poderiam poluir a amostra e afetar o exame.

 

Neste ponto, o RNA precisa ser transcrito em DNA, já que o método somente é capaz de realizar polimerização – reação química de componentes intermoleculares simples para a formação de macromoléculas – deste tipo de ácido nucleico. Esta etapa é chamada de transcrição reversa. Somente após esses passos será possível fazer a reação de PCR.

Professor Ricardo Titze-de-Almeida (FAV/UnB), à direita, coordenou a capacitação dos profissionais do HFA para uso da técnica do PCR. Foto: Arquivo pessoal

 

O método irá amplificar sequências específicas do genoma viral e, à medida que este material passa pelo processo nos ciclos de PCR, haverá aumento crescente de fluorescência; acima de determinado limiar, considera-se que a amostra do paciente foi positiva para Sars-CoV2, ou seja, está infectada com o vírus causador da covid-19.

 

Embora seja um teste muito preciso, o PCR, como outros métodos, também pode apresentar resultado falso negativo. Entretanto, Ricardo Titze defende que o exame ainda é bastante eficiente na detecção do contágio, sobretudo na fase inicial da doença, sendo capaz de identificar a presença do vírus patogênico a partir do terceiro ao quinto dia após o início dos sintomas.

 

Segundo o professor, o PCR é “um exame muito conclusivo. Quando ele oferece um resultado positivo, indica a presença do vírus”. “Nenhum tipo de exame tem 100% de acurácia, então parte dos exames de PCR, mesmo em indivíduos que foram infectados, pode dar um resultado negativo”, pondera.

 

O professor afirma ainda que os testes de anticorpos também são parte importante do processo de diagnóstico, sendo recomendado o método de ELISA, amplamente utilizado para a detecção de doenças infecciosas. A presença das imunoglobulinas IgG e IgA, por exemplo, indicam que o indivíduo produziu anticorpos contra o Sars-CoV2, cuja duração e capacidade de proteção são questões ainda em estudo. O teste deve ser realizado a partir da segunda semana dos sintomas.

 

CAPACITAÇÃO – O treinamento da equipe do Hospital das Forças Armadas, constituído em três etapas, já foi finalizado e teve duração de 30 horas de curso. A primeira etapa consistiu em estudos dirigidos, nos quais foi possível explorar, sob supervisão do professor Ricardo Titze, conteúdos de introdução à biologia molecular, com base em e-book de sua autoria. O grupo ainda pôde explorar a parte teórica em discussões on-line.

 

A segunda fase contemplou aulas diretamente voltadas ao Sars-CoV2 e à covid-19, com a colaboração de pesquisadores da equipe do docente. Esta etapa foi fundamental para compreender as especificidades do patógeno e a metodologia de RT-PCR. O curso foi concluído com terceira etapa prática, na qual o grupo aprendeu a fazer a extração de RNA do vírus, sua transcrição reversa, a preparação das amostras para a corrida de PCR, bem como a programação do equipamento termociclador e a interpretação dos resultados.

 

Esse processo foi repetido duas vezes para que os profissionais se sentissem confortáveis para a posterior realização do procedimento no HFA. O treinamento prático foi feito com o uso de células em cultura, eliminando a necessidade de amostras clínicas contendo o vírus – que podem apresentar certo risco.

 

“A instituição que fabrica o teste nos fornece o RNA sintético que ‘imita’ o RNA viral e é usado como controle positivo, porém sem infectividade nenhuma”, afirma o docente da UnB. Os kits utilizados são fornecidos pela Bio-Manguinhos/Fiocruz.

 

UnB e HFA – A parceria entre a Universidade de Brasília e o Hospital das Forças Armadas projeta a intenção das duas instituições de contribuírem em questões de importância para a saúde e que gerem impacto social direto. Ao instituir um novo laboratório capacitado para a realização do PCR do Sars-CoV2, é constituído um núcleo adicional de testagem de covid-19 no DF, uma vez que o Lacen/DF já vem realizando a testagem regional para unidades de pronto atendimento (UPAs) e hospitais locais, como o Hospital Regional de Santa Maria e o Hospital de Base.

 

O HFA deverá realizar a testagem de médicos, enfermeiros, técnicos e profissionais ligados ao atendimento de pacientes com covid-19 na unidade, melhorando a qualidade do atendimento e a proteção dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia. O hospital também tem trabalhado fortemente para ampliar, em parceria com a UnB, o conhecimento sobre o Sars-CoV2, mediante pesquisa científica.

 

Em outra iniciativa destacada pelo professor Titze, há a proposta de identificar a covid-19 por meio de um sintoma típico da doença: a ausência de olfato e paladar. “Essa alteração sensorial é um possível marcador de covid-19 que precisa ser validado em nosso país. Então o HFA irá nos ajudar na realização de exames de PCR em amostras de pacientes com problema de olfato do próprio hospital e também vindos de outros centros de Brasília, incluindo o Hospital Sírio Libanês e o Cettro", ressalta o coordenador do Laboratório de Tecnologias para Terapia Gênica da UnB.

 

“Há projetos paralelos em curso para acompanhar a epidemia de Sars-CoV2 na comunidade, em busca de quebrarmos os elos de disseminação do vírus”, completa.

Treinamento com equipe do HFA foi realizado em três etapas. Foto: Arquivo pessoal

 

A major Adriana Pinheiro, coordenadora da equipe do laboratório do HFA no treinamento realizado pela UnB, confirmou que o grupo já está apto a realizar os exames dentro da unidade. Além de atender militares e servidores civis do hospital, o laboratório irá apoiar a UnB em projetos de pesquisa e suprir mais dois hospitais que enviarão amostras para diagnósticos no HFA.

 

De acordo com a Major Adriana Pinheiro, “a parceria entre a UnB e o HFA já vem sendo construída há algum tempo, mas com o início da pandemia, foi fundamental a convocação das instituições para o auxílio mútuo em prol da solução do problema”. Para ela, a ampliação da testagem alavanca o combate à pandemia, não só para o diagnóstico e a condução da terapia, mas para fins epidemiológicos.

 

AMPLIAR DETECÇÃO – Os procedimentos de testagem para controle da epidemia estão dentro do padrão global. Ainda em março, quando a expansão dos casos de covid-19 teve início no Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que os testes fossem realizados em ampla escala, como forma de conhecer o comportamento de Sars-CoV2. Além disso, a testagem de indivíduos com sintomas de covid-19 permite a confirmação dos casos e o isolamento das pessoas infectadas, evitando que elas disseminem o vírus para os indivíduos com quem tiveram contatos relevantes.

 

O indivíduo com covid-19 pode transmitir o vírus desde dois dias antes de desenvolver qualquer sintoma da doença. Por isso, é fundamental identificar as pessoas que tiveram contato intenso com indivíduo positivo para Sars-CoV2 – as chamadas contactantes – e orientá-las para que fiquem em quarentena por 14 dias. Esse processo é denominado de rastreamento de contatos (em inglês, contact tracing) e se mostrou muito eficiente no controle da epidemia em diversos países. Trata-se de projeto em fase de planejamento para implantação no DF.

 

A ampliação da testagem promovida pela parceria entre UnB e HFA permitirá, em certa medida, controlar a disseminação local, já que serão testados pacientes com sintomas de covid-19 atendidos na unidade, sejam eles internados ou aqueles que retornarão aos seus lares para isolamento e recuperação da saúde, e acompanhados os pontos de contato de cada um deles (como familiares e colegas de trabalho).

 

“As colaborações institucionais, aliadas às metodologias de pesquisa científica, permitirão administrarmos esta pandemia até que tenhamos uma vacina e novos medicamentos efetivos para covid-19”, declara o professor Ricardo Titze.

 

AGENTE PATOLÓGICO – O vírus Sars-CoV2 espalha-se rapidamente, de pessoa para pessoa, por meio de gotículas geradas por tosse, espirro ou fala – alguns estudos evidenciam que a transmissão também pode ocorrer por fezes, urina, secreções e até pelo próprio ar –, o que o torna a covid-19 altamente contagiosa.

 

Trata-se de mais um dos membros da família coronavírus, característicos por causarem problemas de ordem respiratória. Historicamente, essa família de vírus já foi responsável por outras duas ondas de alta transmissão ainda neste século: SARS e MERS, que não alcançaram o mesmo impacto da covid-19 no mundo.

 

Por se tratar de um vírus que resiste no ambiente e é de fácil transmissão, algumas intervenções são sugeridas pela OMS para controlar a disseminação da doença, são elas: garantir que nenhum novo caso seja gerado a partir de uma pessoa infectada; identificar casos; testar, isolar e cuidar de pacientes confirmados; além de rastrear e orientar a quarentena de contatos. Segundo a organização, esses passos são decisivos no sucesso do combate à pandemia de covid-19.

 

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