INEDITISMO

Pela primeira vez, grupo de pesquisa em direito do trabalho participa de julgamento de inconstitucionalidade na maior instância do poder judiciário

A professora Gabriela Delgado fez a sustentação oral, representando o grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania durante o julgamento. Imagem: Reprodução

 

"Nós precisamos nos perguntar: o que faz o Direito avançar? O que nos torna iguais nas relações de trabalho? A aplicação consistente dos direitos fundamentais." Esta foi a declaração final da sustentação oral do grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, vinculado à Faculdade de Direito (FD) da Universidade de Brasília, durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no último dia 2, que discute o conjunto normativo que institui e disciplina o contrato de trabalho intermitente no Brasil.

 

Foi a primeira vez que um grupo de pesquisa em direito do trabalho atuou como amicus curiae (do latim, amigo da corte) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) no país. "Essa participação é muito importante, porque assumimos o protagonismo, um papel de vanguarda entre os grupos de pesquisa em direito do trabalho", avalia a coordenadora do grupo, professora Gabriela Delgado.

 

Em sua opinião, é uma forma de a universidade pública ultrapassar suas fronteiras e levar o conhecimento científico qualificado que produz para além de seu espaço acadêmico. "A academia consegue, dessa forma, democratizar seu conhecimento, suas pesquisas qualificadas em outras instâncias de saber", observa.

 

"Uma outra consequência é que a atuação pode servir como exemplo e impulsionar, inclusive do ponto de vista jurídico ser precedente, para que outros grupos de pesquisa em direito do trabalho – e existem muitos qualificados no Brasil –, também possam assumir este papel perante os tribunais superiores."

 

A pesquisadora explica que a expressão amicus curiae é usada para designar instituição, associação ou qualquer ente legitimado pelo tribunal superior para fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo base para questões relevantes e de grande impacto.

Corte do STF ainda não chegou a um veredito sobre a inconstitucionalidade do conjunto normativo relativo ao contrato de trabalho intermitente. Foto: Pedro França/Agência Senado

 

A ideia é que o amigo da corte possa "contribuir para a atuação jurisdicional para que o Tribunal tenha um amparo maior para decidir a causa". A atuação foi pleiteada pelo grupo de pesquisa da Faculdade de Direito e deferida pelo ministro relator dos processos da ação, Edson Fachin.

 

Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB, a advogada Milena Pinheiro colaborou com a formulação do pedido de ingresso do grupo como amicus curiae no Supremo. "Foi uma experiência completamente distinta, porque pude acompanhar um trabalho bonito e empenhado que envolveu uma turma inteira. E era uma turma excepcional, cheia de alunos comprometidos e criativos", relata Pinheiro que na época era estagiária de docência da professora Gabriela.

 

"A abertura do tribunal para ouvir a universidade pública é um grande passo, pois significa uma troca em que todos os agentes saem ganhando: a universidade, por lançar para fora de seus muros sua produção acadêmica, e o tribunal, por contar com interlocutores extremamente qualificados na condução de temas importantes para o país", defende.

 

JULGAMENTO – O julgamento das ADIs 5826, 5829 e 6154, que discute a inconstitucionalidade do conjunto normativo que disciplina o contrato de trabalho intermitente, ainda não teve um veredito, pois a ministra Rosa Weber pediu vista para fazer mais uma avaliação do caso.

 

No entanto, a posição do grupo é expressamente direta, sugerindo o acolhimento integral da inconstitucionalidade do contrato intermitente. Isso porque, segundo Gabriela Delgado, esse modelo contratual é extremamente precário e ofensivo aos direitos fundamentais trabalhistas.

 

"Todos os amigos da corte já foram ouvidos, temos o voto do relator pela inconstitucionalidade, mas dois outros ministros votaram pela constitucionalidade", detalha a docente sobre o julgamento do STF se o conjunto normativo é ou não inconstitucional.

 

O grupo contribuiu como suporte de conhecimento científico sistematizado no campo do direito constitucional do trabalho. "Demonstramos que o contrato de trabalho intermitente é, no seu conjunto normativo, inconstitucional, por conta da sua incompatibilidade com a arquitetura constitucional de proteção ao trabalho edificada pela constituição de 1988", menciona. 

O grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania comemorou dez anos de existência em 2020. Imagem: Divulgação

  

HISTÓRIA – Criado em meados de 2010, o grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania é registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e integrado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB.

 

"Formado por uma comunidade de intelectuais e pesquisadores, alguns egressos da FD e outros de diferentes universidades do país, o grupo se constitui na heterogeneidade", informa Delgado.

 

Além das reuniões rotineiras, também são realizadas diferentes tipos de atividades, como leituras dirigidas e debates críticos.

 

"A experiência pedagógica da pesquisa é que as tomadas de decisão são sempre coletivas no campo do direito constitucional do trabalho", afirma. A agenda interdisciplinar permite que as reflexões também incluam referências teóricas de outras áreas, tais como da psicologia, da sociologia e da economia do trabalho.

 

A partir de 2015, o grupo de pesquisa começou a aprimorar sua atuação extensionista, projetando-se do campo teórico para instâncias políticas e judiciais: "Foi quando criamos esse projeto piloto de atuação prática em tribunais superiores. Já atuamos como amicus curiae no Tribunal Superior do Trabalho e agora no STF."

 

"É motivo de muito orgulho para a instituição, pois parte do campo da pesquisa em torno da tutela do trabalho digno, centralizado e protegido. Nessa primeira década de existência toda nossa atuação foi delineada em torno de propostas filtradas pelo pressuposto da dignidade humana e pelo direito fundamental do trabalho digno", destaca a pesquisadora.

 

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