Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, vários canais de distribuição e acesso a alimentos no país foram afetados, interferindo no sustento de agricultores familiares e também na qualidade da alimentação dos brasileiros. Ao mesmo tempo, algumas iniciativas de distribuição agroalimentar apontaram alternativas para a questão, com a oferta de produtos saudáveis à população.
De olho nessas soluções, o Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional do Departamento de Nutrição da UnB tem atuado no projeto nacional Ação Social Comida de Verdade: aprendizagem em tempos de pandemia. Um dos objetivos é realizar um levantamento e analisar ações de abastecimento alimentar que conectem produção e consumo e que estejam sendo estratégicas durante a pandemia.
NACIONAL – "A Ação Coletiva Comida de Verdade: aprendizagem em tempos de pandemia é uma iniciativa de abrangência nacional, conduzida por uma articulação de 13 organizações comprometidas com a promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional", explica a docente do Departamento de Nutrição e uma das coordenadoras do projeto, Elisabetta Recine.
"Com a pandemia de covid-19, inúmeras iniciativas protagonizadas por organizações, redes e movimentos da sociedade civil passaram a apresentar respostas ágeis para o fortalecimento dos caminhos que articulam produção, acesso e distribuição de alimentos saudáveis e adequados à população", conta a docente.
"Por isso, a Ação Coletiva tem o objetivo de mapear, identificar e compreender como as experiências em curso contribuem para a construção e o fortalecimento de sistemas agroalimentares equitativos e sustentáveis", detalha.
O projeto irá identificar iniciativas em todo o Brasil criadas antes e durante a pandemia, as quais incluem desde feiras da agricultura familiar, cooperativas de agricultores e/ou consumidores, coletivos de consumo organizado, sistemas de entrega domiciliar mobilizados pela agricultura familiar ou com um intermediário, hortas urbanas até campanhas de doação de alimentos para população em vulnerabilidade socioeconômica.
Para isso, existem articuladores em cada região do país responsáveis por apoiar o cadastro das experiências. Além de possibilitar o entendimento de forma aprofundada das estratégias adotadas pelos envolvidos nessas ações, as informações obtidas também contribuirão para inspirar o desenvolvimento de novas experiências e de estudos acadêmicos sobre os sistemas agroalimentares.
Elisabetta Recine aponta o impacto da pandemia nos agricultores familiares e na alimentação da população em geral. "A pandemia de covid-19 não só motivou o aumento da vulnerabilidade de agricultores familiares e comunidades tradicionais no contexto socioeconômico, como também fragilizou os canais de distribuição e de acesso aos alimentos adequados e saudáveis à população, o que resulta na tendência de piora na alimentação, com o aumento no consumo de produtos não saudáveis", diz.
Segundo a professora da UnB, o projeto estrutura-se em quatro frentes de trabalho: mapeamento de experiências de abastecimento alimentar, protagonizadas por organizações da sociedade civil; construção de um acervo bibliográfico sobre sistemas agroalimentares e a pandemia de covid-19; realização de seminários virtuais a respeito das transformações em curso nos sistemas agroalimentares; e elaboração de publicações decorrentes da sistematização, análise e registro das experiências, materiais e saberes acumulados nos processos anteriores, voltadas a distintos públicos, como agentes de governo, gestores públicos, acadêmicos e sociedade em geral.
"O propósito é que essas frentes de trabalho, a partir de diferentes parcerias, contribuam para ampliar o debate sobre as transformações necessárias aos sistemas agroalimentares, dar maior visibilidade às experiências em curso e fomentar intercâmbios de práticas e aprendizados", completa.
ALIMENTAÇÃO ADEQUADA – "Conseguimos agir de maneira coletiva porque compartilhamos o mesmo interesse de garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e à Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN)", afirmou Mireya Valencia, professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV) que também auxilia na coordenação do projeto.
Sobre os impactos da pandemia na agricultura familiar, a docente Mireya comenta que a pandemia é um fenômeno global sem precedentes e que afeta múltiplas dimensões da vida em sociedade. "Para os agricultores familiares isso não é diferente. O impacto na produção primária e no acesso aos alimentos se agrava, seja pelo isolamento social que limita a produção, distribuição, transformação dos produtos, seja pela contaminação dos próprios produtores. De igual forma, a queda na renda das pessoas leva à queda pela demanda de alimentos. E as famílias se veem obrigadas a consumir alimentos de má qualidade, ultra processados e não aqueles provenientes da agricultura familiar", prossegue.
A docente ressalta que, frente a esse drama se apresentam "luzes de esperança". Segundo Mireya, diversas experiências, espalhadas pelo Brasil, começaram a emergir ou se reconfigurar neste tempo de pandemia para garantir o acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis. É o caso de pequenos circuitos de comercialização que começam a ser fortalecidos. Identifica-se também a territorialização dos sistemas agroalimentares e a realização de ações de solidariedade que garantem o alimento a pessoas em vulnerabilidade socioeconômica. "Isso permite afirmar que há um processo em curso que pode levar à transformação dos sistemas agroalimentares para que sejam mais sustentáveis, inclusivos e justos. O que a iniciativa Ação Coletiva Comida de Verdade quer fazer é dar visibilidade a essas experiências, trazê-las à superfície para que sejam reconhecidas, valorizadas e fortalecidas como alternativas a sistemas alimentares insustentáveis e excludentes", conclui.
A conexão entre alimento e território foi mote de seminário realizado pelo projeto no início de setembro e transmitido no YouTube. Confira aqui.
Matéria atualizada em 22/09/2020 para acréscimo de informações.
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