#8MUnB

Professora da UnB abordou a importância do movimento encabeçado por mulheres na universidade e para problematizações sobre a sociedade

A mediação da atividade foi realizada pela professora de Serviço Social Lucélia Luiz Pereira, primeira orientanda de mestrado de Débora Diniz. Imagem: Reprodução/UnBTV

 

Com discurso agregador, emocionante e pedagógico, Débora Diniz foi a palestrante convidada para conferência, na sexta-feira (12), sobre a importância do feminismo na universidade. A atividade foi transmitida pelo canal da UnBTV no YouTube e integra a programação do Mês da Reflexão, promovido pela Universidade de Brasília (UnB) e pelo Instituto Federal de Brasília (IFB) ao longo de março, para discutir o papel da mulher na ciência e na sociedade.

 

>> Confira a programação #8MUnB para todo o mês de março

 

A professora da Faculdade de Direito (FD) da UnB, reconhecida nacionalmente e internacionalmente, expôs as principais razões de ser do feminismo e propôs uma nova forma de entender seu significado, para além do patriarcado e com a “ternura da transformação”.

 

Em autoexílio desde 2018 em função das ameaças sofridas pelo seu ativismo em prol da descriminalização do aborto, a docente Débora Diniz deixou claro porque não se cala: “Queremos as mulheres vivas, livres e iguais”. Em sua opinião, não basta ser mulher ocupando espaços decisórios e de poder, é preciso ter consciência feminista.

 

Para a antropóloga, um cuidado que se deve ter é não cair na falácia de achar que as feministas querem ocupar o espaço de poder do machismo ou que pretendem tirar os homens dos seus lugares e persegui-los. Elas querem, na verdade, um mundo com “menos arma, menos matança, menos perseguição, menos mentira, menos posse”.

 

“Há feminismo na Universidade, não duvidem de mim”, assegurou Diniz, complementando que o movimento é alvo de falsidades e que o pensamento patriarcal impõe antolhos que precisam ser retirados, pois o que se busca é igualdade e justiça social.

 

Como forma de comprovar a importância do feminismo, a ativista argumentou: “Quem quer que seja, independente de sua cor, classe, você chegou aqui porque uma mulher antes de você operou com valores e viveu algumas das conquistas do feminismo”. Ela interpelou o público para aprender a pronunciar essa palavra sem o sotaque patriarcal, com a bravura das mulheres que lhe cuidaram para que pudesse chegar onde está.

 

CIÊNCIA FEMINISTA – Uma das críticas feitas por Débora Diniz diz respeito à concepção de neutralidade científica, utilizada como um subterfúgio para não precisar explicar o patriarcado, o machismo ou o racismo que encobrem essa ciência imparcial.

 

“Eu me anuncio antes de chegar e considero isso um gesto de honestidade. Quando digo que sou uma feminista, a afirmação quer dizer de onde eu parto, como olho, como faço as perguntas. Deve-se duvidar de quem se esconde na voz do patriarcado, do racismo, da neutralidade. Eu faço ciência feminista ou feminismo científico, uma combinação única para mim”, enfatizou.

 

Sob sua perspectiva, não afirmar ou não reconhecer onde se está é um gesto de irresponsabilidade, uma vez que questões são silenciadas. “As perguntas importam tanto nesse momento, porque estamos em meio a uma pandemia onde morrem 2 mil pessoas por dia, onde a violência mata as mulheres, onde o aborto ameaça as mulheres, onde as meninas sofrem violência dentro de casa, onde as crianças trans vivem a solidão de uma existência sequer nomeada”. Assim, a pesquisadora indagou: “Quais são as suas perguntas para o mundo? Como você as responde? Qual é a sua ciência?”.

 

“Por que as mulheres negras morrem mais como cuidadoras nessa pandemia do que as brancas? Por que os latinos foram os que mais morreram nos últimos meses nos Estados Unidos? Por que a primeira mulher a morrer de covid-19 no Rio de Janeiro era uma empregada doméstica?”, problematizou. 

 

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Para a pesquisadora, a ciência feminista é sempre engajada no mundo e o feminismo acadêmico não acredita nos gênios – em quem faz ciência sozinho –, mas busca a coletividade para reconhecer as ausências, os silêncios, a desordem, porque a ordem, o método, o rigor são, na perspectiva dela, dos homens. Segundo ela, as mulheres sempre estiveram em suas vidas na sobrevivência da precariedade.

 

Nesse sentido, ela aconselhou: “Abracem a desordem e a imperfeição; a perfeição é um valor dos que perseguem a ordem. Na imperfeição, usem os sentidos que vocês tenham nos seus corpos para se conectar ao tempo. Com desordem e imperfeição, criaremos uma universidade mais feminista”.

Referência de luta em prol dos direitos humanos, Débora Diniz usa as redes sociais para exercer seu ativismo e socializar seu conhecimento. Imagem: Reprodução/UnBTV

 

DIÁLOGOS – Orientada por Débora Diniz na graduação e no mestrado, a professora do Departamento de Serviço Social Lucélia Luiz Pereira foi a mediadora da conferência, expressando a necessidade do tema em função do contexto político ultraconservador e pelo fato de a universidade também reproduzir disparidades a partir de vários marcadores sociais, como gênero, raça, classe.

 

“Não é só um espaço de produção de saber, também é um espaço de disputas de narrativas. Os grupos e os coletivos têm buscado enfrentar situações de machismo, assédio moral, sexual, violência, racismo, intimidação e ofensas misóginas. Por isso é tão importante dialogar sobre o movimento feminista na universidade”, salientou.

 

A professora Débora Diniz respondeu, ao final da exposição, a dúvidas de participantes que acompanhavam a transmissão pelo canal da UnBTV. Diretora da Diversidade (DIV), Susana Xavier contou que, como feminista, tem dificuldade em dialogar com o extremo oposto e perguntou como fazer para conseguir uma aproximação mais pedagógica e que desconstrua narrativas de ódio.

 

A conferencista observou que essas narrativas são típicas do patriarcado, ao considerar somente o binarismo em termos de gênero, sendo que as pessoas estão muito mais se movendo entre extremos. Para ela, há encontros, nessa grande nuvem no meio das construções de gênero, entre essas disputas de percepções de mundo, com pessoas que têm dúvidas genuínas e convicções porque não tiveram elementos para confrontação.

 

“Importa como nós falamos, como construímos nossos argumentos, sabendo onde são nossas portas de entrada com determinadas comunidades, mas também onde vamos usar nossa energia vital para uma discussão. Não entrem em diálogo com pessoas que repercutem uma mentira; não são elas que vão construir as bases sólidas de uma democracia ou que vão transformar o estado de coisas que temos hoje”, sugeriu.

 

Em resposta à Jacyara Caldas, que lhe pediu para falar sobre a divisão sexual do trabalho, a ativista afirmou: “A pandemia nos mostra que nunca fomos o sujeito neoliberal, independente, produtivo do mundo da uberização da vida que se fazia crer; nós somos muito mais interdependentes”. Em sua visão, no centro da pandemia houve uma economia do cuidado, com o fechamento das escolas, a separação das avós e das mães, as mulheres que puderam realizar teletrabalho e foram para suas casas.

 

Para ela, a queda de publicações científicas por mulheres nesse período mostra a persistência das perpetuações das normas do patriarcado mesmo entre as intelectualizadas de classes sociais privilegiadas, mas a situação é ainda mais perversa com aquelas mais pobres, que nunca puderam terceirizar o cuidado da casa e da família. Ainda assim, ao responder à Priscilla Maia sobre como manter as esperanças de continuar fazendo ciência feminista no atual contexto político, Débora Diniz deixou um recado encorajador:

 

“O poder do medo e do pessimismo é sentenciar antes de agir. O poder não precisa ser tão mais cruel do que já é. A universidade não foi tomada de assalto como queriam, não foi silenciada como desejavam. A sua pergunta carrega a profecia do patriarcado, a pergunta tem que ser: estou aqui e vou com o que me resta mover resposta feminista a cada novo movimento de retirada de possibilidades. Nós não temos outra solução, nós não temos a opção do silêncio.”

 

Confira a íntegra do evento:

 

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