A testagem eficiente de portadores de vírus sempre foi um desafio para o controle e tratamento de pacientes contaminados. Entre os fatores que dificultam o amplo acesso aos exames, estão o custo e o tempo que demora entre a coleta e a obtenção de resultados – o que ficou bastante evidente com a pandemia de covid-19. Pensando nisso, cientistas da UnB uniram-se aos de outras instituições de ensino e pesquisa do país para elaborar uma metodologia de testagem mais eficiente, com o uso da nanotecnologia para detectar a presença do vírus.
A iniciativa é coordenada pelo professor Ricardo Bentes, do Programa de Pós-Graduação em Nanociência e Nanobiotecnologia da UnB. Também participam pesquisadores do campus São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Tocantins (UFT), da Universidade Federal de Goiás (UFG), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), do Hospital Albert Einstein, do Instituto Butantan e da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul).
Atualmente, os testes rápidos dependem da presença de anticorpos produzidos pelo organismo dos infectados, o que pode levar tempo (a chamada janela imunológica) e interferir na precisão do exame. “Entre o indivíduo entrar em contato com o vírus e produzir anticorpos, existe tempo de alguns dias para, que, em teoria, se torne transmissor”, afirma o professor Ricardo Bentes. A expectativa da equipe é que o novo teste seja ainda mais sensível ao vírus e altamente específico, reduzindo as chances de falso negativo ou falso positivo para margem abaixo de 5%, de acordo com os pesquisadores.
O teste rápido se baseará em processo que utiliza nanopartículas de ouro bioconjugadas com anticorpos. O método permite a detecção do Sars-CoV2 pela técnica de espalhamento de luz dinâmico (DLS), uma das mais eficientes para a medição de pequenas partículas distribuídas em solução líquida.
O exame funcionará de forma simples. Começa pela coleta de uma amostra de saliva do indivíduo, que é inserida em uma solução líquida. Em seguida, o material é colocado em um equipamento de DLS, que envia as informações sobre a presença ou ausência do novo coronavírus para o computador em poucos minutos.
Atualmente, o teste padrão ouro, amplamente utilizado na detecção do vírus causador da covid-19, é bastante demorado, levando até 12 horas apenas no processamento da solução. Além disso, o processo exige o uso de equipamentos e reagentes específicos, o que atrasa ainda mais a resposta.
Por isso, outro foco importante da pesquisa é desenvolver um método que obtenha resultados rápidos e que não utilize recursos de alto custo, portanto, com maior alcance à população em geral. O projeto sob coordenação da UnB quer desenvolver uma alternativa capaz de detectar o Sars-CoV2 em até uma hora, com o uso de equipamentos mais simples e sem necessidade de especialistas para realizá-lo.
De acordo com o coordenador da pesquisa, essas características permitirão que o teste seja realizado rapidamente em qualquer lugar e que seja acessível para o sistema de saúde local. Ademais, espera-se que o teste gere dados mais precisos para controle de políticas de contenção do novo coronavírus, como isolamento social seletivo dos indivíduos contaminados.
O projeto deve estabelecer novos parâmetros para testagem em epidemias e pandemias virais, sendo útil em outras circunstâncias e bastante eficiente na detecção de outros vírus além do Sars-CoV2. O professor Ricardo Bentes sinaliza que a pesquisa resultará em uma plataforma base, que poderá servir para outros vírus no futuro. “Precisaremos apenas mudar o alvo”, prevê o pesquisador.
DESENVOLVIMENTO – O docente da UnB pontua o passo a passo da pesquisa. Segundo ele, na primeira etapa, as nanopartículas de ouro serão ligadas a um anticorpo específico contra a proteína spike, utilizada pelo vírus para entrar nas células do organismo. O próximo passo consiste na verificação se o anticorpo se liga ao vírus pela proteína spike, mesmo depois de conjugado a nanopartícula de ouro.
"Nesta etapa, também verificaremos se o anticorpo pode se ligar especificamente a outros vírus da família coronavírus. Esperamos que não", explica.
Na terceira etapa, os pesquisadores iniciarão os testes com material coletado da saliva e das narinas dos pacientes por meio de um swab – tipo de cotonete utilizado para a obtenção da amostra.
"Se os pacientes estiverem contaminados, o anticorpo se ligará ao vírus. Isso provocará a aglutinação das partículas de ouro, aumentando seu diâmetro. Esse aumento pode ser 'lido' por um equipamento chamado zetasizer, com alto grau de sensibilidade. Ou seja, mesmo pequenas quantidades de partículas virais poderão ser detectadas (e quantificadas)."
"Além disso, dependendo da quantidade de vírus presentes na amostra do paciente, a solução contendo as nanopartículas mudará de cor, indicando a presença do vírus", detalha Bentes.
O professor afirma que, neste último caso, o resultado positivo ou negativo para o novo coronavírus pode ser obtido no próprio ponto de coleta. Bentes acredita que, apesar de uma previsão de seis meses para ter o sistema em funcionamento, será preciso que outras instituições demonstrem interesse para viabilizar a produção dos testes em maior escala. "É uma etapa que não depende exclusivamente da gente. Precisamos ter empresas públicas e/ou privadas interessadas. Mas acredito que, se tudo der certo, isso não será um problema”, afirma.
O projeto já foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aguarda a liberação dos recursos para iniciar os experimentos.
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